26.06.2022
Aixa Figini é uma cantora, musicóloga e produtora argentina. Licenciada em Artes Musicais pela Universidad de Buenos Aires. Estudou também na Escola de Música Contemporânea de Buenos Aires. Posteriormente, interessada na gestão das artes performativas, realizou um mestrado de Gestão e Políticas Culturais na Goldsmiths University of London, no Reino Unido. Na Argentina aprendeu com mestres da voz e da interpretação como Susana Rossi e Juan Cuarlos Cuacci, e estudou percussão e cantos africanos. Vive em Lisboa onde colabora com vários músicos. Além de preparar o seu disco à solo, Aixa criou/fundou e dirige o ensemble vocal “Circular”.
Em resposta à situação de atual emergência devida à pandemia do COVID-19 e à necessidade de promover iniciativas que possam avaliar e atenuar o impacto no âmbito das artes performativas, investigar os efeitos da crise, com enfoque no sector da música, documentar as estratégias aplicadas pelos artistas nas suas atividades criativas e de performance, o Projeto Ágora convida Aixa Figini, para compreender os efeitos provocados pela crise sanitária, quer no nível individual, quer no âmbito do sector cultural em Portugal.
Francesco: Olá Aixa!
Aixa Figini: Olá Ciccio!
Francesco: Buenos dias, buongiorno!
Aixa Figini: Buongiorno!
Francesco: Obrigado por ter aceite aqui… este encontro, esta conversa… pelo Projeto Ágora, gostava que te apresentasses…
Aixa Figini: ok! Sou Aixa, sou argentina de Buenos Aires, moro em Lisboa há três anos já, um bocado mais de três anos, sou cantora, tenho aqui meu projeto pessoal de música latino americana e autorais que eu partilho com Pedro Loch, guitarrista e tenho também um ensemble vocal que se chama Circular, um ensemble vocal feminino de sete cantoras, onde fazemos improvisações
em tempo real, com um sistema de senhas desenvolvido por um argentino, o ensemble tem já dois anos…
Francesco: que se chama… o argentino?
Aixa Figini: Santiago Vasquez! Si! É uma linguagem muito desenvolvida na Argentina e tem já muitas pessoas que estão a utilizar esta linguagem para a improvisação musical e eu queria pesquisar a utilização desta linguagem especificamente para as vozes, pronto! E juntei um grupo de cantoras profissionais aqui e é há dois anos que estamos a fazer estas pesquisas!
Francesco: Que maravilha! Lindo! Gostava de saber, já que estas entrevistas são sobre digamos assim… os efeitos que teve a pandemia e as restrições etc. Completamos agora um ano ou mais já, desde o princípio das restrições, como é que elas te afetaram do ponto de vista em primeiro lugar financeiro…? Concertos, atuações ao vivo?
Aixa Figini: Pronto! 100%, não é? Como acho que para todo o mundo, não é? E muito repentinamente, assim… sem capacidade de readaptar nada no curto prazo, acho que sim! Tem sido total, depois do primeiro lockdown, depois do verão ainda foi possível fazer alguns concertos, mas tudo muito reduzido, sempre com muita incertidumbre, de se podia acontecer ou se não podia acontecer, com pouca capacidade de planificação, não é? Depois houve outro lockdown e acho que até agora segue sendo assim, um impacto super forte para a música…
Francesco: tu trabalhas só de música ao vivo? Cantora?
Aixa Figini: eu trabalho como música e trabalho também na… sou produtora e produzo com uma produtora espetáculos de música e eventos musicais e também para mim, deste jeito digamos nas minhas duas áreas grandes de trabalho, tem sido totalmente afetadas, não é? Nós tínhamos um ciclo de concertos de música do mundo aqui em Lisboa, regular, mensal que era muito bom, chama-se Inside Music, que também tem sido totalmente cancelado, foi impossível… ainda como começou a quarentena, logo logo… falamos, ah! Vamos lá fazer online e fizemos quatro concertos online com diferentes músicos aqui da cidade, foram ok! Fizemos concertos outra vez de zoom mas a medida que avançava a quarentena, cada vez tínhamos menos audiência. Eu acho que as pessoas também começam a ficar sobrecarregadas da quantidade de oferta online e a também a cansar-se, não é? A música ao vivo é “irrenplazavel”!
Francesco: Ah! Isto é muito interessante, porque exatamente estes novos formatos de performance, sobretudo online e de streaming, houve um sobre carregamento…
Aixa Figini: eu acho que tivemos um sobre carregamento de eu mesma como música, eu mesma também cansei-me de ouvir concertos online, não é? Porque acho que não… pronto! Quem queira renplazar a experiência ao vivo com um computador e pronto! Impossível, não é?
Francesco: Para muitos é uma ferramenta de divulgação e eventualmente festivais que agora não podem acontecer. Para muitos pode ser uma ferramenta de divulgação mas não chega obviamente nunca, não pode chegar ao nível de uma performance ao vivo…
Aixa Figini: …mas para mim o que é interessante é que não a mesma ferramenta, como ferramenta de divulgação acho que pode ser muito interessante, mas no momento em que tu queiras renplazar a experiência do que é a música em vivo, que traz algo muito único e queres fazer exatamente o mesmo online, nunca vais ter o mesmo resultado. Então o digital e o online é muito útil e muito bom par muitas coisas e acho que neste lockdown também tem possibilitado a muitos músicos chegar a audiências novas, organizações culturais a ter audiências novas, mas não… o concerto ao vivo é irrenplazavel, não é?
Francesco: E deste ponto de vista, quais estratégias um músico hoje pode atuar dado… dada a falta e a ausência de concertos ao vivo e o único recurso depois é… todo o mundo vai parar nestas apresentações em live streaming, não há mais estratégias… é esperar?
Aixa Figini: Pronto! Eu não sei qual estratégia, não é? Seriam alternativas, eu acho também… eu hoje estava a falar com um amigo da Argentina, que o que eu achava também estranho de isto é que o nosso, que… desde uma perspetiva das políticas digamos tipo culturais, públicas, não é? Poderiam ser incentivadas alternativas, não é? Como alternativas, fazer concertos em terraços com audiências longes, sei lá… Eu… o que eu acho é que não tem sido, não há orçamento, não há dinheiro para isto também, acho que não há suficiente interesse para isto… mas não têm sido pesquisadas todas as possibilidades como deveriam ser pesquisadas deste ponto de vista!
Francesco: Estas entrevistas têm este objetivo também, de… digamos de pensar este momento como um momento de mudança e de todos juntos pensarmos um bocadinho… isso!
Aixa Figini: Um bocadinho disto juntos, não é?
Francesco: Não só a nível exatamente, depois de… mercado de trabalho para nós, mas exatamente estratégias e sobre a questão também da relação entre sector artístico, dos músicos por exemplo neste caso e a política. Por exemplo, tu recebeste apoios aqui em Portugal, de alguma entidade?
Aixa Figini: Não! Eu não tinha recebido apoios, porque também eu entrei no circuito oficial, profissional aqui em Portugal tarde, não há três anos quando cheguei, porque eu ainda trabalho com a Inglaterra, mas acho que também as condições dos apoios são muito específicas e muito restritivas, então só permitem para algumas pessoas específicas que têm estas condições, acho que… pronto! Eu não… eu também tenho trabalhado bastante em gestão cultural e em políticas culturais e desde esta perspetiva eu acho que infelizmente, não acho que o governo português e o Ministério de Cultura têm sido muito justos com o sector. Não quero falar do sector artístico no geral, porque também não conheço tanto, mas no sector da música eu acho assim… um bocado pobre e um bocado triste o pouco reconhecimento que eu vi aqui, não é?
Francesco: Exato! Por exemplo em relação à Inglaterra, tu viveste na Inglaterra?
Aixa Figini: Sim, vivi em Inglaterra! Pronto, eu acho que os apoios são muito mais fortes, não é? É uma economia mais rica também, mas acho que inclusive não só tem a ver com isso, tem a ver com como são geridos os apoios, quais são os princípios sobre os que… que se…
Francesco: fala-se muito na Intermitência na França, na Bélgica, etc. Gostava de saber, se tu não tivesses obviamente este trabalho na Inglaterra poderias ter pensado em mudar de trabalho? Há muitas pessoas que chegaram a pensar nisto…
Aixa Figini: Pronto! sim, totalmente! E eu até pensei, eu digo como… eu tenho uns trabalhos na Inglaterra e eu até agora continuo a pensar, porque acho que este ano vai ser um ano que igual, ainda que assim as coisas comecem a abrir, ainda não de todo, eu pessoalmente a começar a pandemia estava por lançar dois ou três projetos grandes, também como produtora aqui, digamos… todos estes projetos foram assim, desapareceram! Para mim, então foi uma mudança muito grande também… claro! Sim, acho que tantos amigos, tanta gente já tem mudado ou tem feito outras coisas, não é?
Francesco: Sim! É tão precária a situação que és obrigado…
Aixa Figini: aqui e no resto do mundo também na Inglaterra também, sabes? É uma… é muito sério! E acho que não é reconhecido justamente…
Francesco: provavelmente durará… poderá durar alguns anos para recuperar, eventualmente… o que era… ou pode ser um momento de mudança para que melhore…
Aixa Figini: ou então se calhar é um momento importante de mudança, primeiro para os músicos e os artistas agirem juntos de uma maneira diferente, não é? Percebam que as necessidades são as mesmas, não é? E possam demandar coisas diferentes e também de parte de parte das instituições, para perceber onde estão os buracos mais grandes de um sector que é fundamental. Têm acontecido algumas coisas bonitas este último tempo, eu tive a sorte de ir para Argentina também, um mês e meio no meio da pandemia, a visitar a família, não é? E eu vi… e lá está um bocado mais aberto, porque era verão e aqui têm acontecido pequenos eventos com pequenos grupos de pessoas, não músicas que estão a ouvir a música ou voltar a tocar ao vivo e eu já tenho visto três pessoas assim a chorar, assim… tipo! Obrigada! Obrigada, isto faz tanta falta para todos nós, tipo… eu já tinha esquecido, não é? E pronto! Eu acho que todos estão a se esquecer um bocado isto e é perigoso… acho eu!
Francesco: E houve algum movimento de artistas ou do sector artístico que te tenha surpreendido, que tenha feito algo neste período ou que tenhas seguido… visto que estás a falar da falta de união de músicos, na realidade algumas iniciativas…
Aixa Figini: eu acho que têm havido iniciativas aqui, ah… não sei… exato… os nomes mas.. mas eu não tenho visto um sector super unido a agir fortemente, não é? Acho que…
Francesco: tem havido a União Audiovisual…
Aixa Figini: tem havido assim, a União Audiovisual que foi forte, não é? Da parte da música eu não tenho visto este muito forte… eu acho…
Francesco: estão se criando estruturas, digamos… sindicatos…
Aixa Figini: sindicatos, há um par, como se chama? Sindicatos novos e pessoas que estão tentando fazer alguma coisa, mas eu acho que… pronto! Quando eu cheguei… e já vivo aqui em Lisboa há três anos, eu achei bem engraçado que não tinha esta estrutura forte e eu acho que, pronto! Tomara que fosse esta uma desculpa para começar realmente a gerar estas estruturas, não é?
Francesco: Sim! Obrigado, eu gostava de saber… durante este período o teu trabalho criativo como é que foi? Se foi afetado profundamente, se conseguiste produzir, criar…
Aixa Figini: olha! No começo foi… sabes tipo, no começo, ok! Vais ter tempo para ficar em casa e então dizes, ah pronto! Vou ter tempo para fazer todo esto que nunca tenho tempo de fazer, não é? Então, voltei a ter umas aulas de coisas que queria, voltei a estudar alguma coisa e a tentar compor alguma coisa.
Depois uma começa a entrar numa meseta assim, onde…
Francesco: num limbo onde…
Aixa Figini: …num limbo onde não há de nada e donde também acho que a falta de… a incertidumbre faz com que as coisas começam a perder sentido: ah! Mas vou fazer isto para que? E já começa a ficar, não? como uma rotina assim tão… começas a ficar meio enjoado, não é? De ficar sempre na mesma… então acho que no começo tem sido um bocado assim mais entusiasmado e depois começou a entrar assim uma meseta total!
Francesco: Uma meseta! Eh! Fantástico, gostei…
Aixa Figini: não sei como se fala isto em português! Não é? Se fala assim?
Francesco: A metáfora é linda, gostei! Meseta é um altiplano?
Aixa Figini: É um altiplano! Começas… ah, tipo… ok tá! Tudo igual, porque é todo igual… assim! E depois eu já tinha um projeto que era gravar um disco, não é? Aqui com os músicos que tenho conhecido aqui, então acho que comecei a fazer isto no fim do ano passado, no mês de Novembro, porque também acho que o momento também é fixe para ter estes tempos, que depois se calhar um não tem… e então ai voltou a haver um momento criativo fixe e ainda estamos a terminar de gravar o disco agora!
Francesco: Que maravilha!
Aixa Figini: Sim, assim que isto foi bom!
Francesco: Assim conseguiste digamos neste período produzir o disco! Estás a produzir…
Aixa Figini: consegui! Estamos a terminar… acho que consegui isto e depois com o ensemble de vozes, tem sido diferente, não é? Porque as cantoras… as pessoas não podiam juntar-se na rua, então cantores… nós somos sete, sabes? É… e começamos a fazer todo um trabalho online e a fazer vídeos de quarentena…
Francesco: …mas fizeram aqueles vídeos de tipo zoom?
Aixa Figini: Tipo de quarentena, mas melhores produzidos, começamos a fazer umas improvisações entre nós e eu acho que isto tem desenvolvido outro aspeto de trabalho no ensemble, que foi fixe… suficiente… eu quero voltar a ensaiar ao vivo, não é? Mas acho que no momento depois da meseta, conseguimos voltar a ativar isto… não é? Acho…
Francesco: é… porque impactou em todo o mundo e deu a todos estas sensação: agora tenho tempo para! Mas ao mesmo tempo eu penso que perdendo este… digamos… este papel social, perdendo trabalho, porque não podes trabalhar… e ao mesmo tempo o papel social de músico, de poder se apresentar…
Aixa Figini: é que a arte e a cultura é essencialmente social, não é? É esta partilha, é este dar e este receber constante entre um e outro e que… acho que muitos e muitos artistas e músicos, tem tido esta sensação de falta de sentido… tipo: ah, mas então! Se eu não posso partilhar a minha arte? Se não há como partilhar com os outros? então…
Francesco: …se fica tudo no mundo digital, é só música no digital, é só concerto no digital…
Aixa Figini: Ah!É saturado! É sobre saturado!
Francesco: Exato! Muito obrigado Aixa! Vou terminar assim, as minhas perguntas e… já que estavas a falar da produção do teu disco e destes vídeos que fizeste em live streaming, se podes nós aconselhar um ou dois temas ou vídeos, alguma coisa que depois no futuro possa… possamos aqui…
Aixa Figini: …pronto! O primeiro single que vai sair do disco se chama “Pajarillo“, que é uma música que pronto, espero que quando esta entrevista esteja publicada já vai estar lá para mostrar e depois, Circular tem a “Circular” nas redes, temos lá um par de vídeos, temos um último que temos feito que chama-se “Nós: as vozes que aqui escutas”
Francesco: Perfeito! Vou procurar… e só uma ultimíssima pergunta… “Pajarillo”… porque, explica um pouco a música e do que fala… se quiseres!
Aixa Figini: “Pajarillo” fala da… é um bocado forte, fala de um momento da minha vida que foi uma mudança assim muito forte. Foi uma música inspirada num dia em que me regalaram um “quatro”, que é um instrumento venezuelano de 4 cordas, valga a redundância! E eu trouxe para aqui da Argentina e apanhei o instrumento e saiu logo esta música pois a letra tem muito a ver com… as pessoas que se foram neste… amigos que foram embora e é uma música que fala disto, um bocadinho… e que gravamos aqui com Pedro Loch, com Ciccio! E que vá e vamos ver! Vai sair pronto, assim!
Francesco: Que maravilha! Então, vai ficar ótimo com esta entrevista e com este visual que tens atrás, olha que maravilha!
Aixa Figini: De Lisboa maravilhosa!
Francesco: Estamos aqui neste maravilhoso miradouro da Nossa senhora do Monte, um pouco de ventinho…
Aixa Figini: …mas é bom!
Francesco: Estamos em Abril…
Aixa Figini: …primavera, maravilha!
Francesco: Muito obrigado Aixa!
Aixa Figini: Obrigada eu!
Francesco: Obrigado pelo contributo que vai ser muito útil para todo o mundo ouvir e criar opiniões e eventualmente sugestões para nós!
Aixa Figini: Obrigado!
Francesco: Obrigado!
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