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29.06.2022

Projeto Ágora: Entrevista com Bárbara Wahnon (27/03/2021)

Radio Olisipo · PROJETO ÁGORA: BÁRBARA WAHNON

Bárbara Wahnon é cantora, de origem cabo-verdiana e guineense, nascida em Lisboa. É bisneta de Maria Barba, uma das primeiras cantadeiras cabo-verdianas a internacionalizar a morna. Em parceria com a Associação dos Músicos da ilha da Boa Vista, organizou e divulgou em 2020 a campanha solidária “7 dias 7 mornas”. Entre os vários projetos musicais da cena nacional, colabora com Gospel Collective e é co-fundadora do grupo Tune Up Voices. Bárbara está compondo e arranjando as músicas para o seu primeiro EP e apresenta-se em vários lugares de Lisboa com o seu projeto a solo.

Em resposta à situação de atual emergência devida à pandemia do COVID-19 e à necessidade de promover iniciativas que possam avaliar e atenuar o impacto no âmbito das artes performativas, investigar os efeitos da crise, com enfoque no sector da música, documentar as estratégias aplicadas pelos artistas nas suas atividades criativas e de performance, o Projeto Ágora convida Bárbara Wahnon, para compreender os efeitos provocados pela crise sanitária, quer no nível individual que no âmbito do sector cultural em Portugal.

Bárbara Wahnon: Olá, o meu nome é Bárbara Wahnon, sou cantora e também trabalho numa clínica de transplante capilar, em recursos humanos e marketing!

Francesco: Bem-vinda!

Bárbara Wahnon: Obrigada!

Francesco: Olá Bárbara, obrigado por estares aqui e pela disponibilidade por ter esta conversa no… dentro do contexto do Projeto Ágora e desta pesquisa que está sendo feita e gostava de começar… sabendo já a priori que tu trabalhas numa clínica, assim queria de qualquer maneira… eu começo sempre por perguntar aos músicos e já que tu és cantora, quais foram os efeitos financeiros desta pandemia, desde o princípio de Março de 2020, isto… podes eventualmente comentar isto em relação à tua profissão de cantora…

Bárbara Wahnon: …sim! Óbvio que a pandemia veio afetar todas as atividades, mas nada se compara à forma como quem vive da música foi afetado, eu… ainda que tenha estes dois trabalhos complementares, sei lá… sou cantora, cantava bastante em casamentos, eventos privados, por tanto tudo isto deixou de acontecer, portanto… claramente que me senti afetada, mas também comparar a minha atividade com outros colegas que só vivem da música, talvez tenha tido mais estabilidade do que os meus colegas!

Francesco: E gostava de saber, tu normalmente cada ano tens um número de concertos, consegues fazer uma estimativa da tua atividade musical, por exemplo em 2019 ou antes de 2020, quantos concertos fazias? Com o gospel?

Bárbara Wahnon: Epá! Pelo menos todos… eu tenho a noção de todos os meses ter trabalho, nem consigo quantificar, mas principalmente então na altura do natal, chegávamos a que… a semanas que era quase todos os dias!

Francesco: Uns 50/70/80 concertos por ano…?

Bárbara Wahnon: Talvez…

Francesco: …e em 2020? No natal também não fizeram, fizeram algo no natal?

Bárbara Wahnon: Fizemos… eu lembro-me de fazer por aí uns dois ou três trabalhos se tanto… e acho que estou a exagerar, mas depois também eu estive em Cabo Verde, não é? Eu fui apanhada na altura da quarentena em Cabo Verde, portanto por além de também não poder estar fisicamente e aproveitar determinados trabalhos que pudessem surgir, acabei por fazer alguns trabalhos em streaming, em que nós gravamos e enviamos os trabalhos, mas este não foi no natal…

Francesco: …foi muito menos… que em outros anos?

Bárbara Wahnon: Sim, sem duvida!

Francesco: E a vivência em Cabo Verde foi boa?

Bárbara Wahnon: A vivência em Cabo Verde foi espetacular!

Francesco: Foste apanhada em Cabo Verde pela pandemia? Sorte… entre aspas…

Bárbara Wahnon: …sim! Mais ou menos, porque também tive a oportunidade de perceber o impacto de… pronto o impacto da pandemia foi mesmo global e em Cabo Verde o pessoal é altamente dependente do turismo, do pessoal que vive da música e… não, sei lá eu não consigo… foi mesmo devastador perceber, que… porque vi mesmo que… Cabo Verde depende mesmo do turismo, depende mesmo do pessoal estrangeiro que vai aos hotéis, vai aos restaurantes, sem este turismo não há atividade económica e eu tive a oportunidade de conhecer músicos enquanto lá estive e… zero trabalho! É que depois nem sequer há alternativas, enquanto cá em Portugal eu ainda posso considerar que, ok! Não tens trabalho na música mas se calhar consegues fazer outro tipo de trabalho, ainda que também precário, mas se calhar tens outras alternativas, lá em Cabo Verde… ok! Ou vais pescar para comer, ou também ficas… vi casos muito complicados

e… pronto depois o pessoal sobrevive também muito à conta da solidariedade dos pares e entreajuda, eu própria também fiz uma campanha solidária e outros músicos fizeram campanhas na internet, mas nada é suficiente ou nada foi suficiente, no meu entender!

Francesco: Olha! Passou atrás de ti agora uma gaivota, mesmo a um metro… não! Muito interessante porque, obviamente eu nas próximas viagens queria fazer estas conversas também com músicos de outros países e evidentemente em Cabo Verde, numa ilha onde vivem do turismo assim é, particularmente devastador como disseste… imagino: não poder tocar, ou pronto! Não poder viver do seu próprio trabalho. Eu gostava de saber, então à partir da pandemia, tendo em conta que ficaste em Cabo Verde, como é que viveste este lado mais criativo da tua profissão, entre aspas assim… ou da tua carreira de cantora?

Bárbara Wahnon: Sim, de facto eu acho que por ter outro trabalho e de certa forma, não que também não tivesse a pressão no trabalho de nós mantermos no ativo, havia alguma estabilidade económica e isto também me permitiu estar mais em contacto comigo e com a minha criatividade, tentar escrever mais, tentar compor e também foi graças a esse período em que conseguia estar em casa a trabalhar lá em Cabo Verde, foi assim que consegui também aprender mornas e fazer a campanha e vim de lá cheia de pica para fazer coisas cá em Portugal na realidade, só que depois venho e pronto! Está tudo em confinamento, ainda apanhei uma altura em que foi possível fazer algumas coisas, ainda cheguei a cantar em alguns restaurantes, coisas assim mais locais… mas pronto! O pessoal com medo de sair e não contagiar os outros ou também não ser contagiado, também não contribuiu para mais pro atividade a ter trabalhos em restaurantes e em bares e em sítios locais… e… exato!

Francesco: Foi bastante, então criativamente bastante produtivo, estiveste a trabalhar com músicos de lá, conseguiram ter tempo para ensaiar?

Bárbara Wahnon: Sim, sim! Mas depois também eu acho que é cultural, lá em Cabo Verde ok, se calhar não se tocava por dinheiro, não é? Mas pronto! Mas a música estava sempre presente e estávamos sempre a tentar tocar, cantar, sei lá! A trazer um bocado de luz na mesma, na vida das pessoas enquanto lá estávamos… é um bocado isso! Mas depois é doloroso chegar cá também, porque tenho uma data de amigos que só vivem da música, não é? E perceber que estão mesmo à rasca, perceber que a cultura cá em Portugal não é tida como prioridade e isto até influencia até a forma como, eu no meu caso específico podia ter decidido: ok vou ser música a 100% e não o faço ou nunca o fiz até agora por ter medo de ficar sem uma rede, sem um conforto neste tipo de situações, não é? E é por isso que admiro também muito quem vive só da música e quem tem coragem de estar a mercê da sua própria criatividade e da sua própria força de vontade e da sua pro atividade para criar e para fazer música e a arte a acontecer, independentemente das circunstâncias, não é mesmo fácil! E tenho mesmo pena que Portugal não consiga valorizar a cultura como deveria… pronto! É isso!

Francesco: Obrigado! Em termos de então, digamos de perspetivas futuras, o que é que achas que um músico, os músicos… tu própria… quais… como é que vai ser, quais estratégias poderá haver para sobreviver a isto?

Bárbara Wahnon: Uma coisa que eu achei interessante, mas também já oiço falar disto há imenso tempo, é que os músicos precisam de se unir para formar uma classe trabalhadora com direitos e deveres respeitados pelas entidades institucionais. Consegui observar algumas movimentações no sentido de voltar a construir sindicato dos músicos, ainda que depois também percebi que há um sindicato X e há outro sindicato Y depois o pessoal não sabe muito bem para quem é que há de se virar! Portanto claramente, o pessoal precisa de se unir, para conseguir ver os seus direitos respeitados e defendidos… estratégias!? Que mais estratégias? É porque é uma questão tão cultural em Portugal e infelizmente o pessoal ainda olha para um músico como aquela pessoa que só se está a divertir ou não encara a música como um trabalho, não conseguem perceber que por trás de um espetáculo, por mais pequeno que seja, estão horas e horas de ensaio, estão horas e horas de tentar dominar um instrumento, estão horas e horas de uma data de tempo investido e dinheiro investido e a própria mentalidade do consumidor em geral, do público em geral, também não abona a que sejam criadas políticas públicas que protejam os artistas, porque se de facto as pessoas se preocupassem em investir em cultura e em gastar em cultura ou em não menosprezar a atividade dos músicos, talvez a hierarquia das atividades económicas fosse diferente, não sei… portanto, é difícil trazer estratégias específicas, porque é política!

Francesco: E em relação à política, que espectativas poderias ter, por exemplo, para que melhorasse um bocadinho a situação da precariedade dos artistas em geral?

Bárbara Wahnon: Por exemplo, eu gostava que tivéssemos de facto um Ministério da Cultura que fosse ciente das verdadeiras preocupações da classe musical, não só da classe musical, agora falo da classe musical porque é a minha e mesmo assim é particular, ainda não sou ultra dependente da música, mas começar por reconhecer a atividade musical como uma atividade económica, como outra qualquer, não é? Que contribui diretamente para a força política que é a cultura, sei lá! Há tanta coisa a dizer, mas…

Francesco: …e em relação aos movimentos que aconteceram, assim de grupos como a União Audiovisual e outros quantos, há algum que gostaste de seguir em particular, ou que seguiste nas redes sociais, alguma coisa…?

Bárbara Wahnon: Epá! É que eu vi tantas coisas diferentes, vi tantos grupos diferentes a fazer coisas distintas, lembro-me daquela iniciativa do Ministério da Cultura, assim meio esquisito… de um festival que traz um amigo… sim…

Francesco: …tu estavas em Cabo Verde?

Bárbara Wahnon: Estava em Cabo Verde, sim, como é que é possível… é que é isto! Como é que é possível alguém a falar que isto está correto!?

Francesco: Mas o que levou à eliminação daquele festival, foi exatamente uma recolha de assinaturas, ou seja um movimento que se criou…

Bárbara Wahnon: …e eu conheço pessoas de ambos os lados, não é? Pessoal que aceitou participar e pessoal que não… pessoal que se recusou a lá ir por princípio e pronto! E de facto, também foi uma iniciativa que em vez de ajudar, também veio contribuir para uma polarização da classe musical, no sentido em que se identifica nos pequenos nichos de interesse, já estou a dizer mais do que deveria… não! Iniciativas fixes: o pessoal começou a fazer concertos online e a tentar arrecadar dinheiro… solidariedade na mesma, mas sei lá? Só se… os músicos são aqueles que se juntam sempre para juntar dinheiro, para contribuir para outras causas sociais e agora que os músicos precisam, pronto! Existiram algumas, mas nem se compara à mobilização do público em geral para ajudar a classe musical, existe a iniciativa da União Audiovisual, sim! Pronto que é bonita, não deixa de ser bonita mas… sei lá se não fosse a solidariedade de uns e dos outros acho que estava tudo bem pior, se não fosse a solidariedade entre classes!

Francesco: Exato! Em relação aos concertos online: todo o mundo se meteu a fazer concertos no zoom, agora os festivais estão se adaptando a este novo formato de performance, o que é que tens a dizer em relação a isto, se já tocaste ou fizeste coisas online, o que é que sentes nos concertos online, por exemplo?

Bárbara Wahnon: Sim! É assim: eu por acaso lembro-me de ter estado na Web Summit em 2018 e havia sessões da indústria musical, sobre o futuro da música e já na altura se falava na tendência das plataformas de streaming, também se falava de outras formas de aprendizagem na música, mas pronto isto agora não interessa… e foi curioso ver a rapidez com que a maior parte dos músicos se viu obrigada a encontrar outras soluções e eu participei, não por iniciativa própria mas a convite de outros artistas pra fazer concertos em streaming, percebi a complexidade da coisa e exigiu mesmo muita criatividade, muita dedicação, muita aprendizagem rápida em pouco tempo e consegui fazer o impossível e também percebo que nem toda a gente têm acesso aos mesmos recursos, por tanto nem toda a gente consegue ser rápido o suficiente para se adaptar a estas novas tendências e nem toda a gente gosta também de o fazer, mas pronto! Eu vejo com bons olhos, mas acho que também nada substitui a presença física, aquela transação emocional que existe entre o músico e quem o vê, uma espécie de energia que nós envolve e que quando é… quando tens um ecrã digital acho que há algo que se perde, não é bem a mesma coisa!

Francesco: A comunicação humana…

Bárbara Wahnon: …sim! Porque é fixe ver vídeos e assim, mas nada… pelo menos para mim, nada substitui um ao vivo e acho que é isso: estamos todos sedentos de estar ao vivo, de nós sentirmos uns aos outros, então eu a cantar em coro… sei lá… assim, em zoom é impossível, ainda tentamos ensaiar algumas vezes… mas pronto, não dá! Agora dizem que com o 5G… já vai ser possível!

Francesco: Vai mudar o mundo!?

Bárbara Wahnon: Exato! Já vai ser possível! Mas eu, claro, vejo com bons olhos a evolução e acho que sim, acho que enquanto ferramenta e acho que é bom termos a capacidade de nos adaptarmos aos tempos, mas… nada substitui o presencial!

Francesco: E desculpa! Te aconteceu de tocar ao vivo no ano passado ou neste ano, estamos no princípio, estamos a sair do novo confinamento, te aconteceu de tocar em algum festival com restrições, plateia, uma pessoa sim uma pessoa não ou com máscara etc., sem poder levantar e dançar, etc.?

Bárbara Wahnon: Sim! Eu fiz… bem um festival não! Mas, cantei em sítios locais e pronto, o pessoal todo com máscaras, limite de pessoal, sítios também mais pequeninos, que por um lado também impedia ao pessoal que queria ver, não se sentia tão confortável a ir por serem sítios mais pequeninos, iniciativas a impedirem outras…

Francesco: …e a sensação? Como é que isto poderá ter afetado a performance?

Bárbara Wahnon: Opa! É estranho estares a cantar para pessoal de máscara, mas por outro lado também foi um alento ver que havia pessoal que sentia a necessidade e ia consumir na mesma a cultura, aqueles hashtags #aculturaésegura, não é? É ter que… exato! Do género, ser seguro andar de avião, mas não é seguro ir ver um concerto, não tem mesmo lógica! E que… fazer gravações para iniciativas televisivas pronto, com máscaras… mas pronto, depois chegas à parte em que estás a filmar e tiras a máscara e está tudo ok! Também cheguei ir à televisão, pronto! É de facto… há cuidados que são tidos em conta, mas, sei lá… durante aquele tempinho em que estás ali sem máscara não contagias os outros? Pronto! Não sei, é um bocado… eu percebo a lógica, não é? Está toda a gente a fazer o melhor que pode para conter o vírus, mas não é justo de todo para quem vive da música! Mas sim! Eu ainda me considero talvez privilegiada no sentido em que, lá fui tendo alguns trabalhos, mesmo que não muitos, mas fui tendo… e por causa do trabalho que tenho, consegui não ter as preocupações associadas à minha sobrevivência, não é? E admiro quem vive da música e quem consegue ter outras atividades também relacionadas às artes, mas não necessariamente os concertos, por isto olha: força aí para o pessoal, a continuar… também… a luta!

Francesco: Ótimo! Muito obrigado Bárbara, vamos acabar agora a nossa conversa linda, super enriquecedora, obrigado pelo contributo! Eu queria saber se durante este ano, o último ano… tens produzido algo teu, se a quarentena pelo menos trouxe algum “filhote” entre aspas… alguma canção, alguma coisa que tu queiras aconselhar nos, que é para nós podermos alegar a esta entrevista, para quem depois irá ouvir poderá ouvir a tua voz a cantar!

Bárbara Wahnon: É sim! Podem sempre, se tiverem curiosidade, verem a campanha “Sete dias Sete Mornas” que foi uma coisa super caseira que fizemos lá em Cabo Verde, assim em pouco tempo e que eu tenho muito orgulho ainda que se vejam todas as falhas e assim… mas tenho muito orgulho nisso e sim! Durante a quarentena tenho estado a compor e estou muito contente porque acho que vou conseguir lançar um tema em breve!

Francesco: Podes dizer como se chama e comentá-lo?

Bárbara Wahnon: Chama-se “Uma questão de identidade”, ou “Caminhos”, eu não sei muito bem…

Francesco: …ok! Não está ainda decidido… e o tema é isto: identidade?

Bárbara Wahnon: O tema é lindo!

Francesco: Não digo, a temática ou o argumento…

Bárbara Wahnon: …sim! É a procura pela identidade, a procura por direção, a procura por caminhos sãos!

Francesco: Caminhos?

Bárbara Wahnon: Sãos!

Francesco: Ah, ok! Caminhos Sãos! Perfeito! Então iremos, espero que esteja pronta em breve esta música e iremos, com um link ou alguma coisa, iremos mostrar esta música também!

Bárbara Wahnon: Sim, espero que sim! Que eu consiga quanto antes divulgar!

Francesco: Ok! Pronto! Muito obrigado mais uma vez, Bárbara para o teu contributo!

Bárbara Wahnon: Obrigada eu pelo convite!

Francesco: Muito obrigado, chau!

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