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19.06.2022

Projeto Ágora: Entrevista com Cláudia Loureiro (30/03/2022)

Radio Olisipo · PROJETO ÁGORA: CLÁUDIA LOUREIRO

Cláudia Loureiro é a responsável pelo Camones Bar, um espaço dedicado à promoção das artes, do encontro de culturas e à apresentação de novos projectos e novos artistas. Desenvolve uma programação de concertos de artistas residentes sobretudo em Lisboa, mas por este palco acabam por passar artistas de todo o mundo e de todos os géneros. Durante a pandemia, Cláudia organizou 13 manifestações de rua, (desde o Coreto da Graça, passando pelo Martim Moniz e até à Torre de Belém) onde pretendeu dar vida e voz ao importantíssimo papel dos músicos na humanização do nosso dia-a-dia e à sua capacidade de união e responsabilidade social na angariação de alimentos para os mais desprotegidos.   Chamou-lhe Sopa da Pedra.

Francesco: Bom dia Cláudia!

Cláudia: Olá Francesco!

Francesco: Obrigado por ter aceite este convite, para conversarmos um bocadinho, queria que te apresentasses logo para começarmos este nosso encontro no Projeto Ágora!

Cláudia: Bom! O meu nome é Cláudia, trabalho com uma equipa de duas pessoas num bar, num restaurante bar [Camones Bar] que abre à noite na zona da Graça e recebemos diariamente, sempre que podemos, artistas da nossa praça. São artistas que tocam nas ruas de Lisboa, são artistas que vivem na Graça, mas que são oriundos de todos os lados do mundo, como tu! De muitos países, com muita diversidade e com muitas artes distintas e com muita riqueza, são artistas que são recebidos aqui com muito carinho e o foco do nosso trabalho é no artista, por tanto, isto não é? O nosso espaço não é um bar com música ao vivo, é um espaço de música ao vivo com um bar: é diferente!

Francesco: É muito interessante porque, exatamente… visto que o tema das várias entrevistas é os efeitos da pandemia na atividade da música no sector cultural, artístico no geral, mas neste caso dos músicos desde o princípio das restrições de Março de 2020, como é que vocês viveram isto? O impacto financeiro foi penso “devastante”?

Cláudia: O impacto financeiro foi enorme! Obviamente, não é? Porque paramos de trabalhar, mas tão grave quanto o impacto financeiro, foi o impacto… obviamente o impacto social que tudo isto tem! O impacto financeiro é muito importante, mas verdadeiramente não podemos nós focar só no impacto financeiro e desvirtuar as outras calamidades adjacentes. É gravíssimo não poder dividir a arte livremente num espaço que foi concebido para fazer isto, é gravíssimo não poder receber os artistas, é gravíssimo não poder receber as pessoas que procuram a arte, é gravíssimo não termos a oportunidade de nós libertar e de usufruir e de evoluir, com tudo o que a arte nos dá e nos permite fazer. É um exercício da alma e do coração e do espírito, que mesmo que não possa ser feito diariamente, porque há pessoas que não podem… antes da pandemia já não podiam sair todas as noites, mas enfim pelo menos é um exercício que tem de ser feito pelo menos uma vez por semana, para mantermos a nossa sanidade mental, para mantermos a nossa criatividade em marcha, para podermos evoluir como pessoas, para podermos ganhar laços com outras pessoas e tudo isso parou! O impacto financeiro é grave, mas ele é material… eventualmente de aqui há dez anos é recuperável, eventualmente…

Francesco: …dentro de quanto tempo, desculpa?

Cláudia: Eu diria 10 anos! Eu presumo e prevejo que por cada mês de encerramento, no meu caso, seja um ano de recuperação! Portanto vamos em 10 anos neste momento! Porem, os restantes impactos que isto tem em termos de evolução como pessoas, como entidades artísticas, como pessoas que fazem parte da arte… eu não sei tocar, nem cantar, mas considero que vivo da arte e para a arte, este impacto pode nunca ser recuperado! A não ser que nos esforcemos muito, a não ser que agora tentemos repor este capital perdido, duma forma muito coerente, muito consistente, muito… como uma missão, porque já perdemos muito e então temos mesmo que trabalhar para tentar no futuro recuperar isso! Não é mensurável, isto vai ser muito difícil de perceber…

Francesco: …é algo que está acontecendo, há faltas de perspetivas e novos formatos também de música ao vivo, por exemplo, muitas vezes pergunto aos músicos o que é que eles acham destes novos formatos de apresentação em streaming, como muita coisa aconteceu desde Março, muitas bandas a fazer coisas no zoom, muitos até festivais a apresentar bandas em streaming, não sei se vocês fizeram algo do género aqui…

Cláudia: …nunca!

Francesco: Nunca! E o que é que achas em relação a isto?

Cláudia: É bonito e é bom! Mas é outra coisa, não é o mesmo! Todos sabemos que é outra coisa… e que se perde neste caminho entre estar num espetáculo ao vivo, seja num festival com milhares de pessoas, seja num bar com 50 pessoas, o que se perde é a humanidade, o aspeto humano, o valor humano, as energias humanas, o contributo, o sorriso espontâneo, o trocar de olhos, a surpresa quando reconhecemos aquela música ou a vontade de cantar juntos… em streaming nada disso acontece! Já não vou falar da qualidade técnica do som, ou já não vou falar de toda a espontaneidade que se perde, do tripé que cai e toda a gente bate palmas para apoiar o artista, tudo o que torna o momento genuíno e verdadeiro, desaparece completamente no streaming! É óbvio que não podendo haver situações ao vivo, o streaming é uma das opções… nós optamos por não fazer!

Francesco: É por isto que efetivamente, faltando esta possibilidade de tocar

de exercer o nosso trabalho, não havendo lugares e não havendo concertos é que às vezes pergunto quais estratégiaspossíveis os músicos possam ter… mas o que me deixou bastante curioso, foi a vossa iniciativa da “Sopa de Pedra” que começou… parece… há quanto tempo?

Cláudia: Bom! Nós vamos, enquanto “Sopa da Pedra”, vamos na 4ª manifestação, mas estamos em manifestação desde o dia 23 de Janeiro e…

Francesco: em pleno confinamento?

Cláudia: Em pleno confinamento! E já fizemos 9 edições desta manifestação. Normalmente, aliás… sistematicamente ao fim de semana!

Francesco: E podes me contar um pouco o historial, como surgiu, qual é a ideia?

Cláudia: Foi um percurso, quando veio o segundo confinamento eu entendi que não ia parar!

Francesco: Exato! Gostava de saber um pouco do historial, como é que surgiu esta ideia, visto que nasceu e surgiu em pleno confinamento de Janeiro [2021], mas é um processo que claramente vem de…

Cláudia: claro! É um processo que vem de trás e… bom! Eu vou tentar explicar tudo, porque são tantas ideias que fluem ao mesmo tempo e, enfim! A “Sopa da Pedra” em si, surgiu já depois de termos experimentado fazer eventos aqui à porta do nosso espaço e como não foi possível as pessoas entrarem para dentro do espaço, então entraram os artistas e os artistas atuaram pela janela para as pessoas que estavam na rua, portanto uma espécie de serenata invertida e assim aconteceram as quatro primeiras edições, só com artistas, só com público e a tentar chamar a atenção para a situação calamitosa que estávamos a viver e que íamos continuar a viver. Ao mesmo tempo e sendo um bar, nós gostamos de servir comida e sabemos a importância de servir comida e a importância do momento de servir a comida, quando desejamos bom apetite, quando sabemos que as pessoas estão a satisfazer uma necessidade, ao fim e ao cabo, não é? À qual pode ser acrescido algum prazer. Neste sentido, realizamos que não podendo fazer isto normalmente, mas tendo esta necessidade de continuar a servir comida, íamos faze-lo através de uma sopa que seria oferecida a quem quisesse, a quem precisasse, neste caso. Fizemos uma primeira sopa que foi uma desgraça, porque pusemos a sopa na rua e ninguém apareceu para comer a sopa! E nós estranhamos! Achamos que as pessoas deviam querer comer sopa, ainda mais sendo feita com amor e não sendo paga… bom! E neste dia percebemos que

tínhamos que ser nós a ir ter com as pessoas que precisavam da sopa e não as pessoas da sopa a virem ter connosco e metemos a sopa num carro e procuramos pessoas que quisessem a sopa e as encontramos… e a sopa foi comida! Tínhamos trinta sopas neste dia e neste dia também perguntaram-nos quando é que voltaríamos, porque uma sopa quente à noite sabia muito bem! E nós não tínhamos nada planeado e pensámos, bom! Amanhã não conseguimos, mas depois de amanhã voltamos, de aqui a dois dias já conseguimos… e voltamos de aí a dois dias, ao mesmo sítio com a mesma quantidade de sopas, para as mesmas pessoas… e de aí a dois dias também e na semana seguinte pensámos: ok! Então, mas parece que há ali uma outra zona de Lisboa onde pode haver pessoas que querem a sopa, em vez de trinta vamos fazer sessenta e vamos lá também… e fomos! E fomos muito bem recebidos! É extraordinário, porque é um momento incrível, onde te encontras com pessoas, onde todos juntos comemos a sopa. A sopa é para eles e para as pessoas que vão fazer a distribuição que também comem a sopa onde se conversa, onde se dão abraços, onde se trocam ideias, onde às vezes também se toca música! Temos tido a oportunidade de às vezes levar um músico connosco, mas há sítios onde nós vamos e onde já há músicos a tocar junto destas pessoas chamadas “sem abrigo”, a arte tem estas coisas singelas e gentis maravilhosas! E portanto, a “Sopa da Pedra” por si, foi crescendo enquanto “Sopa da Pedra” e neste momento são 100 sopas, três vezes por noite em três sítios diferentes e satisfaz o estômago de muita gente, mas a alma continuava por satisfazer, não é? As necessidades da alma! Bom! Sopa na rua, artistas à janela: foi fácil juntar as duas coisas! A “Sopa da Pedra”, a angariação de ingredientes para podermos fazer a “Sopa da Pedra” durante três vezes por semana, precisa de almas bondosas, as almas bondosas são as que tem coração, as almas que tem coração, são as almas que são sensíveis à música! Por outro lado, estão os artistas a precisar de se manifestar e de mostrar o seu protesto, era preciso traze-los para a rua também de forma segura e legal e portanto foi uma questão de os organizar, de nós organizarmos também em termos legais e juntamos as duas coisas: a “Sopa da Pedra” precisa dos artistas para trazer almas bondosas que tragam ingredientes para a “Sopa da Pedra”, os artistas precisam manifestar-se e protestar e o seu contributo é… chamando estas almas generosas para trazerem ingredientes para a “Sopa da Pedra” e desta forma conseguimos colmatar a fome da barriga e a fome da alma! Portanto, todos precisamos um dos outros e a “Sopa da Pedra” é muito isto também! A “Sopa da Pedra” é quando tu juntas vários ingredientes e consegues fazer uma sopa muito rica! E portanto, o conceito natural e espontaneamente passou a ser esse:

cada um dá o que tem, junta-se tudo numa panela só ou num momento só e dali sai uma coisa muito mais rica e que todos podem experimentar! O que é extraordinário!

Francesco: Uma ideia fantástica! E tem vindo crescer bastante?

Cláudia: Tem vindo a crescer! A primeira vez que fizemos à porta do nosso bar [Camones Bar] tivemos dez pessoas, atualmente temos duzentas, a adesão dos artistas é incrível!

Francesco: E disseste que faziam três vezes por semana… ou uma?

Cláudia: Atenção! A distribuição da sopa na rua à noite é três vezes por semana, o evento “Sopa da Pedra” para a angariação dos ingredientes é uma vez por semana e continuará a ser… sempre!

Francesco: E tem vindo mais músicos a participar, claro… de boca em boca…

Cláudia: muitos músicos! Apareciam músicos que nem queria… às vezes fico surpreendida e grata, mas vai manifestar a sua solidariedade com a causa e com os outros artistas, temos tido artistas que na verdade por razões, enfim muito especificas conseguem ultrapassar financeiramente esta situação delicada, mas nem por isto deixam de estar solidários com a causa e com a questão dos músicos, dos seus colegas músicos que enfim… estão numa situação de

Francesco: …de precariedade absoluta!

Cláudia: De precariedade extrema, uma coisa que só vendo é que se acredita,  porque é triste! Eu não tenho outra palavra!

Francesco: Sim! É o que estou… nas várias conversas informais, com pessoas assim… vejo que é uma situação generalizada e que… há vários apoios que nem sempre abrangem todas as pessoas, alguns conseguem e outros não e como está tudo parado é uma situação extremamente delicada!

Cláudia: Eu sei de artistas que durante algum tempo ainda tiveram apoios humilhantes, mas tiveram… da Segurança Social e agora já nem estes apoios estão a ser dados, acabou tudo… e agora?

Francesco: Exato! Há uns apoios que pedem uma série de CIRS e CAES ou com atividades abertas… por exemplo, eu pessoalmente mantive a atividade fechada e se soubesse… como eu muitos outros mantiveram a atividade fechada para não acumular dívidas ou mais gastos e agora que estão saindo os apoios era preciso ter a atividade aberta a partir de Janeiro 2020…

Cláudia: claro, portanto precisavas de ter gasto muito dinheiro para manter a atividade aberta para agora ir buscar dinheiro… e na dúvida, quer dizer era uma questão da pessoa ter que fazer contas antes e sendo impossível, outra opção é fechar… repara que há outra situação: e pegando agora no que tu estás a dizer, que é uma situação muito grave, mesmo para os artistas que tiveram o apoio, esses artistas tiveram que apresentar documentação, tiveram que apresentar comprovativos de entrega de IRS, comprovativo de pagamento de renda da casa, comprovativo de agregado familiar, comprovativo de contas de luz e água… ou seja: eu nem tenho palavras para isto, porque são exatamente os que ainda nem isto conseguiram ter que mais precisam de apoio. E mesmo todos aqueles que têm isto e conseguem entregar uma declaração de IRS, a renda da casa, o agregado familiar e a conta da luz, estão a expor-se duma maneira humilhante, estão a dizer: eu juro que estou pobre! Por favor ajudem-me e isto não se faz! Isto não é ser solidário! Ser solidário é dar, sem nada em troca! É dar porque a pessoa está em frente a ti a precisar, não interessa a circunstância pela qual a pessoa foi lá parar, porque há muita gente infelizmente que também não compreende muito bem o percurso de certos artistas… estás a fazer o que gostas e estás a tocar na rua porque gostas, portanto agora aguenta-te! Não trabalhaste pois não? Tu agora passas fome e é bem feito! E isto é outra coisa que nos deixa de boca aberta! Porque se for preciso esta pessoa que diz isto ou que pensa isto, à noite está num bar a ouvir a música daquele músico excelente! Não é?

Francesco: Exatamente, estou absolutamente de acordo! Eu, por acaso, também… durante um apoio, no decurso do formulário, da apresentação de um apoio, foi me pedido um comprovativo de residência e me contactaram 5/6 vezes porque nenhum deles estava bom e foi tipo várias tentativas, cartas que me chegavam em casa do seguro de saúde e nunca eram aceite até que no fim, finalmente foi em Novembro/Dezembro do ano passado, foi todo um processo longo para conseguir um apoio…

Cláudia: claro! Quando tu pensas, bem… pode ser que finalmente desta vez seja aprovado e que para semana eu consiga ter o dinheiro… vem uma carta a pedir mais um documento em vez de ir o dinheiro! E isto requer uma resistência e uma resiliência incríveis e provavelmente esgota-te no sentido que ao fim do dia já não tens forças para ensaiar, não tens forças para criar…

Francesco: o que tens, por exemplo o que eu senti… parece que sou eu agora a… sentir que muitas vezes além de não poder trabalhar, perdes até aquela noção do teu papel social, ou seja tu como artista… te perdes nestes meandros de apoios, que às vezes é humilhante…

Cláudia: …como é óbvio!

Francesco: Perdes até o teu lugar social que é de ser músico! Não há lugar para tocar e agora estás a pedir e aí é uma questão que às vezes pode impactar na moral até ao ponto de poder até às vezes… alguns, de vez em quando posso ter pensado de mudar de trabalho…

Cláudia: …bom! Mas cuidado para o que mudas, porque na realidade isto passa-se com os artistas e não só, portanto tens de mudar para uma coisa que te permita não passar por esta aflição outra vez…

Francesco: …uma agência de marketing online e 8 horas em teletrabalho…

Cláudia: …eu acho uma boa ideia, podias fazer isto, ou nas obras… também é uma boa alternativa, não é? Ou sei lá… canalizador, qualquer coisa que te tire completamente a tua criatividade e a tua dignidade de… enfim, nada contra as pessoas que são canalizadores e que trabalham nas obras, mas ver um músico incrível que precisa das suas mãos para tocar um instrumento musical a… se calhar partir os dedos porque tem que trabalhar nas obras é uma questão muito complicada!

Francesco: Estou de acordo! Voltando à questão da “Sopa na Pedra”, como é que tem sido a questão policial do… digamos do controle do…

Cláudia: a questão policial para nós tem sido extremamente fácil e pacífica, não tem… só posso dizer bem! Não temos problema nenhum, ainda não tivemos problema nenhum, também porque estamos a fazer as coisas bem feitas, ou seja, orgulho me de dizer que tudo está realmente legalizado, porque tudo isto é possível fazer à luz da lei e à luz da Constituição da República Portuguesa, com regras e com respeito e cumprindo estas regras e cumprindo essas leis, da polícia só temos tido feedback positivo e apoio… e respeito! Este contacto com a polícia não tem sido feito só por email! O contacto com a polícia, à pedido da polícia tem sido feito intensamente, semanalmente, inclusivamente já houve uma reunião para a qual fomos convidados, não fomos convocados, fomos convidados e foi uma reunião que correu muito bem, durante uma hora e meia com altas patentes da polícia, desde o comandante distrital, ao comissário, ao subcomissário, agentes da polícia de transito, sistema de informação… tudo! E a reunião foi formal, foi oficial e por isso eu posso falar dela obviamente e posso também dizer que no final da reunião a palavra que ficou na minha memória e na minha cabeça foi do comandante distrital a dizer: “não desistam!” portanto… a partir de aqui…

Francesco: …e da comunidade, digamos assim do bairro e dos vizinhos, algum feedback positivo/negativo?

Cláudia: As duas coisas! Muito polarizado, ou seja… é difícil encontrar alguém que esteja no meio, do género: ah mas!? As pessoas polarizam-se muito, ou adoram e dão muita força, ou condenam e apontam e não nos querem cá! Existem as duas fações, digamos, o que também é uma pena porque não precisa ser assim, não é? As que nós adoram, é bom que adorem e é ótimo e que compreendem, mas não precisam ficar zangados com aqueles que têm um discernimento diferente e que não compreendem a amplitude e a necessidade destas ações e que nos condenam, muitas vezes alegando razões mal fundamentadas, porque as pessoas não percebem muito bem o que nós estamos ali a fazer, não é? Acham que não é uma manifestação, eu já tenho tentado… já estou a publicar com muita assiduidade no facebook a definição de manifestação, para as pessoas perceberem melhor o que é uma manifestação e porque é que existe a palavra manifestação, que é quando as pessoas se manifestam! E estas pessoas às vezes entram em conflito umas com as outras e nós tentamos que isto não aconteça! As que nós adoram, precisamos muito do apoio delas, as que nós condenam nós olhamos com compaixão, porque são pessoas que não estão num nível de paixão em que nós já estamos e isto é muito importante, são pessoas que não percebem de amor, não percebem de abraços, não percebem de afetos, prescindiram, abdicaram, entregaram essa amplitude de alma aos governantes, a terceiros e não estão a tomar conta delas, neste sentido… permitiram que outros tomassem conta delas neste sentido e realmente nós só podemos olhar para estas pessoas com compaixão e esperar que elas enfim um dia, no coração delas, no fundo… sozinhas em casa ou durante o banho ou no momento mais… de maior contacto com a sua própria vida, possam perceber que o que está errado, não é abraçar, cantar e dançar! O que está errado é não abraçar, não cantar e não dançar e que todos precisamos de fazer isto, devemos voltar a fazer isto com respeito, com os cuidados que temos que ter, ninguém quer contagiar ninguém com nada, a não ser com amor e com esperança e com sentido de benevolência e de humanidade, é só isso!

Francesco: Fantástico! Eu também estava a comentar, antes… que tive alguma discussão com algum amigo que está confundindo este evento como uma festa, alegando que há uma falta de respeito contra, por exemplo neste caso… ele dizia, contra os adolescentes que têm que ficar em casa, ou as lojas que não podem vender ou não podem abrir e tenho tido nos últimos dias uma conversa do género, para tentar perceber o compreender o significado desta reação contra, quando… posso dizer que estou de acordo absolutamente contigo e admiro a vossa iniciativa, porque precisamos justamente de nós encontrar até na praça, cantar e respeitar as regras, mas podermos falar sobre as nossas experiências. Uma coisa que me interessava saber, era mas… tiveste provavelmente várias conversas com os músicos e o que é que destas várias conversas sentes deles, por exemplo esta necessidade de tocar, de se apresentar, de voltar a experimentar e de sentir esta energia de comunicação viva e espontânea…

Cláudia: olha Francesco! O que nós sentimos todos, enquanto “Sopa da Pedra”

é que neste momento já não somos donos da ação, os donos da ação neste momento são os músicos, são os artistas e portanto nós estaremos lá no domingo seguindo sempre o que os artistas queiram, tratamos da parte legal, a ação é das artes, não é nossa!

Francesco: E a vossa ideia é seguir para a frente e fazer?

Cláudia: Nem imaginas o que vai acontecer!

Francesco: Isto é fantástico! Estou muito contente porque é uma iniciativa que… ao qual estou aderindo como público, ver os outros cantar… outro dia cheguei e estava um menino de 9 anos a cantar e adorei!

Cláudia: É o futuro! Vivemos um pedacinho do futuro nestes momentos em que o Miguel vai cantar, sim! É espantoso!

Francesco: Uma voz cristalina! E depois eu conheço ele desde quando era bebé, porque o conheci em Olinda, no Brasil! Para terminar, gostava de perguntar-te se conheces outras iniciativas do género parecidas com a vossa da “Sopa de Pedra” que merecem tipo… uma menção especial, muitas pessoas falam da União Audiovisual e de outras iniciativas, tens alguma coisa a…

Cláudia: …eu vejo muitas necessidades, mas na verdade vejo muitas poucas iniciativas e tenho pena! Nós falamos sobre isto muitas vezes e a nossa alegria seria que houvesse sopas de pedra pelo país inteiro, sopas de pedra, caldo verde, o que tu lhe quiseres chamar, que houvesse iniciativas pelo país inteiro, pelo mundo inteiro, que as pessoas percebessem que podem e devem manifestar-se. Eu não digo que façam exatamente o que nós estamos a fazer, porque cada um é livre de fazer o que quiser, mas cada um deve fazer o que tiver que fazer. Há muitas profissões a passar este problema e é importante que as pessoas entendam que tem que se sentar e conversar e unir e manifestar e perceber o que é que têm que fazer, porque eu volto a dizer: vamos a demorar anos a recuperar o que nós está a acontecer! Não podemos continuar à espera que o que está a acontecer, continue a acontecer, porque nós somos agentes de mudança e nós temos que estar envolvidos nas mudanças e nas decisões que nós afetam e nós somos pessoas crescidas, somos pessoas que podemos e devemos decidir por nós! Há uma pandemia, há um vírus, podemos ser contagiados, as entidades competentes tentaram controlar este contágio no início da pandemia. Ao que tudo indica, não vai ser possível! Já vamos na quarta vaga, as vacinas ao que consta parece que só vão conseguir proteger as pessoas durante um ano,

as variantes do vírus são imensas, portanto parece que as coisas não estão… não é possível controlar as coisas de cima para baixo, porque as coisas acontecem independentemente das vontades e dos esforços dos governantes para controlar a pandemia. Portanto chegou o momento de aprendermos a viver com isso e isso tem de vir de cada um de nós e tem de vir de baixo. Se não aprendermos a viver com isso, se não reaprendermos a manifestarmos, se não reaprendermos a ir para à rua, se não reaprendermos a pensar, se não reaprendermos a viver com isto e se ficarmos eternamente à espera que tomem conta de nós, nós vamos continuar em casa, sem dinheiro, com fome, sem poder criar, sem poder ver os familiares, sem poder ir à escola, sem poder viver! Portanto chegou um momento muito importante e muito crucial para esta decisão ser tomada em consciência

por cada uma das pessoas, tal como um adolescente que chega aos dezoito anos e que bem ou mal, normalmente bem, se for uma pessoa boa… normalmente bem, chegou um momento deste adolescente que somos nós, ao fim de um ano de pandemia, dizermos: agora já percebi mais ou menos como é que isto funciona e vou tomar conta da coisa e claro! Temos uma aprendizagem a fazer, sempre… claro que sim, há coisas que vão correr melhor e outras pior, mas temos que fazer, temos que viver, temos que ir para a frente e realmente deixo um apelo enorme para que toda a gente, principalmente para as pessoas ligadas às artes porque têm uma responsabilidade acrescida na libertação das pessoas: pessoas ligadas às artes manifestem-se, venham para a rua com cuidado, com regras, técnicos de luz, técnicos de som, músicos, cantores, teatro, circo, ajudem! Toda a gente precisa de vocês e vocês precisam de toda a gente, está no momento de virmos para a rua e de dar o nosso contributo para uma curva de mudança que não seja a da pandemia e a do vírus, acho que chegou o momento!

Francesco: Agradeço-te imenso Cláudia! Foi um contributo fantástico, valiosíssimo…

Cláudia: …eu é que agradeço Francesco, o teu… este ingrediente que tu estás a trazer para a “Sopa da Pedra”, vai dar aqui um gostinho extraordinário, um ingrediente incrível, obrigada!

Francesco: Obrigado!

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