13.05.2022
Jabu Morales (Aloise Felippe Morales De Melo), é cantora, percussionista, compositora e arranjadora. É originária de Minas gerais (Brasil) e mudou-se para Barcelona em 2008, onde se tornou uma líder no cenário da música popular brasileira. Seus vários projetos pop brasileiros incluem Tambor de Saia e Mandacaru. Lançou dois discos à solo como compositora e intérprete: “Jabú” e “Malungo”. Jabu combina a sua herança musical rítmica com todas as influências que acumulou ao longo da sua trajetória artística. O seu último projeto intitulado “Ayom”, nasceu da colaboração com outros artistas que compartilham a mesma paixão pela música popular afro-latina e brasileira.
Em resposta à situação de atual emergência devida à pandemia do COVID-19 e à necessidade de promover iniciativas que possam avaliar e atenuar o impacto no âmbito das artes performativas, investigar os efeitos da crise, com enfoque no sector da música, documentar as estratégias aplicadas pelos artistas nas suas atividades criativas e de performance, o Projeto Ágora convida Jabu Morales, para compreender os efeitos provocados pela crise sanitária, quer no nível individual, quer no âmbito do sector cultural em Portugal.
Francesco: Olá Jabu, bem-vinda aqui nestas conversas do Projeto Ágora, aqui numa paisagem maravilhosa lisboeta!
Jabu Morales: Belíssimo!
Francesco: Lusitana… estou muito contente de poder conversar contigo sobre algumas questões. Em primeiro lugar, se te puderes apresentar…
Jabu Morales: bom dia! Eu sou a Jabu Morales, eu sou compositora, cantora e percussionista. Eu sou de Belo Horizonte, Minas Gerais, mas eu moro há 12 anos em Barcelona!
Francesco: Perfeito! Barcelona… aqui pertinho, ao mesmo tempo longe…
Jabu Morales: …é!
Francesco: Queria saber, por exemplo: viveste este período todo em Espanha, portanto é interessante também perceber o que é que aconteceu aqui ao lado. Na tua carreira exatamente… digamos assim… de cantora, música… também és performer de percussões e tens vários grupos lá, como é que viveste esta altura desde Março 2020 e qual o impacto financeiro?
Jabu Morales: O impacto financeiro foi uma absoluta suspensão! Antes da pandemia eu tinha uma dinâmica laboral de um projeto semanal na cidade, que era o Madame Baião, que era um grupo de forro, que a gente se apresentava semanalmente e no verão eu saia viajar com Ayom! Era mais ou menos esta a dinâmica e com a pandemia, o forro acabou! Foi a primeira coisa que teve que ser suspendida… as minha aulas de maracatu também tiveram que parar e a gente ainda conseguiu com Ayom fazer algumas coisas no verão [2020], mas tudo sem perspetiva. Foi de repente esta fonte de renda e de ingresso que eu tinha, foi suspendido! Um pouquinho a gente fez no verão e afortunadamente no fim do ano eu consegui uma ajuda… uma ajuda não! Os meus direitos de compositora, entrou um dinheiro que eu não esperava então também deu uma certa aliviada. E um pouco antes da pandemia, a gente conseguiu realizar um festival de forro, que acontece anualmente, que é um festival que a gente faz, chama-se Festival Sereia! Então a gente fez a última edição no começo de Fevereiro e veio a pandemia. Então eu acho que nos primeiros meses eu ainda fiquei coando este restinho de vida e de trocas e na verdade eu não pensei muito… eu acho que não parei assim no começo, eu segui a inércia que eu vinha, a gente decidiu gravar… lançar o disco que a gente tinha gravado neste momento da pandemia, então a gente foi encontrando coisas para seguir vivendo à densidade do que estava rolando, sem saber quando ia terminar, mas tentando manter à vista alta, o foco alto para seguir meio… ali com um horizonte um pouco utópico e seguir caminhando, não entrar nessa… porque era um momento de muita dúvida! Eu acho que a dúvida que tem um efeito nocivo, assim na… na criação e nos projetos, porque você fica paralisado, você não assume nem a derrota, nem a abundancia, você fica nessa…
Francesco: …num limbo…
Jabu Morales: …é!
Francesco: E essa decisão de lançar o disco foi forte, conheço muitos grupos e muitos músicos que tem disco pronto e estão aguentando, está tudo na gaveta…
Jabu Morales: …é! Foi uma decisão meio assim, foi tipo uma escolha: a nossa manager na altura pontuou isso, quanto a… que era uma altura meio difícil que… geralmente as pessoas pensam o lançamento com um plantio para colher… na tour, na hora de você circular isso que acabou de lançar. E a gente iria plantar, mas ia colher sabe-se quando e esse tempo também podia passar, muitas coisas podiam dar errado…
Francesco: …sim!
Jabu Morales: Mas a gente teve sorte e conseguiu tecer assim um equipe massa e um assessor de imprensa legal e conseguimos manter isso alto e finalmente foi uma jogada boa, que o disco teve reconhecimento e ficou reverberando muito tempo, foi meio uma… um jornalista inglês, a gente fez uma entrevista da Songlines, e ele falou… fez uma descrição muito linda assim, da sensação que ele tinha quando ele ouvia, que era mesmo um sol que aparecia e esquentava os corações e trazia assim uma coisa muito positiva neste momento tão difícil, tão duro, tão inesperado que a gente vivia!
Francesco: Então a música vem também como um momento digamos… de ajuda para as pessoas…
Jabu Morales: …acho que foi assim para mim neste momento… esta reflexão que todo o mundo fez, não é? O que é que é realmente necessário? Assim… nos primeiros meses de pandemia… o que é que você precisa para viver? Mesmo… e papel higiénico foi visto que a humanidade toda precisa… farinha… era engraçado nos primeiros meses, acabava a farinha nos supermercados… e música? E arte? Ressignificar toda a angustia, toda a dor, toda a dificuldade, colocar… reformular isto para fora, por isto para fora, olhar de outra perspetiva! Eu acho que a música e a arte no geral… ficou claríssimo e explícito que é de facto saúde mental, assim! É uma coisa que é vital para você manter o barco? Acho que é manter, levando… acolher a tristeza e a angustia, mas manter… assim! E penso também que a rotina me ajudou… eu acho que o fato de ter que estar com os meus filhos, mantendo as coisas mais ou menos em marcha com a coisa da escolinha online, que uma época foi… e fazer as comidas e manter essa coisa na casa, foi bem importante para que eu pudesse viver as angustias e todos os processos assim, mas num acordo, assim… tudo bem! Venha! É legitima a angustia, mas depois você vai que ter que ir embora porque eu preciso de fazer o almoço! Assim…
Francesco: …exato!
Jabu Morales: Então não! Ela não me afogava, era um acordo: te recebo crise! Eu te recebo, caos! Mas a vida precisa continuar, vamos tentar encontrar o nosso passo e seguir essa dança!
Francesco: Portanto, neste processo de lançamento do disco, a criatividade e as ideias foi sempre animando o espírito…
Jabu Morales: …a criatividade e as ideias, elas foram sempre mantendo o barco andando, sim! Eu estava com Alberto, o meu companheiro, então a gente conseguia manter isto vivo e estar sempre cantando, compondo, criando, esboçando alguma coisa, pensando alguma maneira de seguir em movimento, seguir criando, mesmo que a gente não tivesse ainda claro qual era a finalidade do que a gente estava criando, era simplesmente criar para existir!
Francesco: Para existir! Fantástico! E em relação… depois no verão de 2020, depois do primeiro confinamento chegaste a fazer alguns concertos em tournée internacional?
Jabu Morales: Fizemos, a gente fez acho que 15 concertos, alguma coisa assim. Na Itália a gente trabalhou um pouco, na Suíça e surpreendentemente no reveillon, no momento em que estava tudo louco, a gente fez um show nas Maldivas, que foi tipo mesmo uma manifestação de que pequenas pérolas, pequenos milagres acontecem!
Francesco: Ou seja, foram uma das bandas mais afortunadas que eu conheço…
Jabu Morales: …gente! Foi tipo… parecia um conto, parecia que era mentira, até acontecer assim… era mais inusitado e impossível e especialmente neste momento, era mesmo uma gotinha de milagre.
Francesco: E… me interessava saber, nestes concertos, por exemplo no princípio do verão de 2020 e durante o verão, foi tudo feito no regime digamos assim de restrições, distanciamento social, máscara… como é que viveste isso como performer e como é que sentiste com o público?
Jabu Morales: Foi! Foi tudo… então! Eu acho que agora vão vir os desafios, porque me dá a sensação que quando vem uma situação muito extrema, muito aguda… todo o mundo ativa o modo de sobrevivência e a coisa… você soluciona porque não tem o que fazer e ai com a persistência desse quadro é que você vai se dando conta… a energia vai baixando, não é? E você vai se dando conta do desafio. Na altura em que a gente fez os shows, tinha distanciamento e todo o mundo de mascara, sentado… mas as pessoas estavam tão sedentas desta descarga de energia, que ficava todo o mundo saciado. Eu acho que agora vai vir a fase mais difícil, que é: esta realidade se estabeleceu! É essa! Como eles falam na Espanha: “es lo que hay!”. Então é agora que vai ser o desafio de você seguir comunicando com o público, seguir apresentando uma música que é solar e é de festa mas tendo em consideração que agora a premissa é que as pessoas vão estar sentadas, que tem este distanciamento, que vai ter que ter uma comunicação diferente. Eu penso que o desafio, ele ainda está por vir!
Francesco: É incrível! Porque isto, é claro, prolonga-se e durará ainda algum tempo e é por isto que interessa saber a mim e penso também aos que vão ouvir estas conversas, como é que… as estratégias… é? Como é que podemos nós organizar e ver como, ou seja… abordar a performance ao vivo neste quadro histórico. Em relação, por exemplo a toda a atividade que houve nos concertos de live streaming, tudo no computador… a música, até os festivais estão aplicando este formato… fizeste alguma coisa?
Jabu Morales: A gente fez alguns festivais, mas a gente… os shows que a gente reproduziu eles foram shows que a gente gravou no começo da pandemia, então as exibições eram ao vivo, mas a transmissão foi numa circunstância de streaming. Na verdade eu acho que eu preciso muito aprender, porque é uma maneira de se seguir que me desafia muito, porque não é sempre que eu consigo conectar com isso, então eu enquanto consumidora questiono como é que seria… como é que eu lido com isto, se eu consumo isto, se isto me pega… eu consigo ligar o computador e servir uma copa de vinho e de verdade… assim ver aquilo… assim?
Francesco: Curtir o concerto? Exato!
Jabu Morales: Ou não, eu fico mais analisando se… bom, enfim! Para mim é uma, eu acho que vou ter que também me empenhar para aprender a encontrar a maneira de eu me expressar, que siga sendo legitima para mim e que… porque ao mesmo tempo esta possibilidade que amplia, não é? Eu tenho amigos que são professores de música e que depois desta pandemia, surpreendentemente conseguiram um alcance muito maior de alunos e um ritmo… uma carga semanal de trabalho que eles não tinham quando… antes da pandemia! Então são essas duas outras faces que vão dialogando, não é?
Francesco: Ou seja pode ser uma ferramenta útil, mas para a performance teremos que ver como é que vai evoluir…
Jabu Morales: …na necessidade vai revelando assim… abordagens que a gente não tinha se dado conta ainda. Esta coisa do live, ela de facto é a que mais me desafia porque essa energia que te chega quando você decide ver uma música ao vivo, isto você não reproduz com vídeo! É outro lugar, não é? É outra coisa que te alimenta e não esta bomba, este canal direto assim quando você vê uma banda que estão ali os 5 alinhados energeticamente, todo o mundo te mandando uma carga de energia. Com a tela você não consegue, você vai por outras coisas e eu acho que é um aprendizado… eu acho que a gente está vivendo uma era muito intensa, que de aqui a uns dez anos a gente vai olhar para atrás e vai falar: caramba! Revolução wifi foi nesta, não é? Assim… igual…
Francesco: …naqueles meses…
Jabu Morales: …tiveram muitas revoluções… de todos os tipos: tecnológica, a revolução que são uns marcos para a história! Eu acho que a gente está vivendo uma, que de aqui a uns anos a gente vai se dar conta…
Francesco: …ou veremos, por exemplo alguns live streamings feitos no zoom com telemóveis, com qualidade péssima de áudio e… nós poderemos eventualmente rir das condições em que fizemos isso…
Jabu Morales: …até isso! Das tecnologias que vão surgindo, não é? Tinha este desafio, de conseguir fazer lives… e músicos em diferentes partes, que tinha latência e ai não tinha solução e ai pintou… uma vez um músico de São Paulo, parece que eu vi divulgando uma live que ele tinha feito com um amigo em outra casa e tinham conseguido um técnico que desenvolveu uma coisa lá para diminuir a latência e eles finalmente conseguiram. Estas coisas agora são todos experimentos e de aqui a uns anos vão ser assim, ah! Come on é só girar a tela para essa função…
Francesco: …exato!
Jabu Morales: E você elimina a latência!
Francesco: Portanto… estamos num período exatamente assim, de perguntas e questões… como é que vai ser de aqui a uns anos? Ninguém sabe mas estamos no caminho de uma revolução digital!
Jabu Morales: Estamos dentro dela, dentro do furacão…
Francesco: …obrigado Jabu! Queria saber se neste processo de Março 2020 até hoje recebeste algum apoio em Espanha de artista?
Jabu Morales: Eu recebi, tinha uma ajuda emergencial para os artistas, mas eu… você tinha que ter quotizado “x” horas e eu fiquei no mínimo, então recebi uma ajuda quase que irrisória assim… um café! Eu consegui mais no final, agora… em Fevereiro de 2021 uma ajuda, mas não por ser artista, uma ajuda emergencial para famílias, pela unidade familiar e um ano depois da pandemia… de fato eu não sobrevivi neste período com ajudas do governo, eu sobrevivi com ajudas do meu circuito de convivência, não é? O meu companheiro, o pai dos meus filhos, a gente foi se ajustando e deu para sobreviver, mas governamental… não! Não pude!
Francesco: E tens alguma espectativa, depois… considerando este período como um período de reset… “zero”, alguma espectativa da política em relação ao sector artístico, esperas alguma mudança? Alguma melhoria? Melhoramento?
Jabu Morales: Olha! Eu acho que neste momento assim… eu encontro que o discurso é um pouco… tem umas coisas mais urgentes, mais emergentes para cuidar, pensando que com toda a penúria, com toda a dificuldade que eu passei, eu vivi isso num lugar privilegiado: eu tinha o que comer. Quando vem a crise, acontece um pouco isso assim… sinto que por parte dos governos, pelo menos na Espanha é assim, mais urgente as pessoas sobreviverem, terem o que comer, terem onde dormir e terem toda a estrutura necessária para viver ou as enfermidades, ou despedir um parente. Então quase que a arte, esse foco nisso… é como se fosse uma coisa secundária assim… é mesmo uma briga: quem tem voz de decidir alguma coisa ou de colocar uma pressão, são mesmo sectores que mercantilizam e comercializam a cultura! Então eu vejo os restaurantes a hotelaria, se posicionando no sentido de seguir vendendo copas, vendendo jantares e tal… mas a arte como a manifestação “carro chefe”? Eu não vejo ser contemplada não! Eu percebo que ainda tem muito caminho!
Francesco: Há muito caminho para fazer! Obrigado Jabu! Muito obrigado pelo contributo e queria só saber se durante este período, justamente lançaste um disco, se podes nos aconselhar duas músicas, uma ou duas, para nós alegar aqui e para o público poder ouvir-te cantar e tocar!
Jabu Morales: Neste período? Duas músicas? Eu acho que “Exu” que é uma música que abre os caminhos e para a gente foi mesmo… o momento em que a gente decidiu lançar, as coisas começaram a acontecer e um pouquinho de doçura: “Maré e o Luar” para as pessoas conseguirem sorrir um pouco
e desligar de toda esta densidade que a gente está vivendo!
Francesco: Obrigado! Estão as duas no disco do Ayom…?
Jabu Morales: Estão as duas no disco, dá para ouvir na sua plataforma digital preferida, spotify, youtube, deezer, soundcloud, bandcamp…
Francesco: perfeito! Gracias, muchas gracias, obrigado e muito obrigado, grazie e mille!
Jabu Morales: Obrigado a você, Francesco!
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