07.06.2022
João Gomes além de ser músico (teclista), é DJ e produtor. Representa uma parte integrante da história e cultura musical de Lisboa, por ter integrado grupos de referência da cena musical nacional, entre os quais se destacam os Cool Hipnoise, Spaceboys, Orelha Negra, Cais do Sodré Funk Connection e mais recentemente os Fogo Fogo, grupo que lançou o seu disco de estreia em 2021, com título “Fladu Fla”. Além disso colaborou com inúmeros artistas em tournées nacionais e internacionais, como Ana Moura, Sara Tavares, Orquestra Todos, etc.
Em resposta à situação de atual emergência devida à pandemia do COVID-19 e à necessidade de promover iniciativas que possam avaliar e atenuar o impacto no âmbito das artes performativas, investigar os efeitos da crise, com enfoque no sector da música, documentar as estratégias aplicadas pelos artistas nas suas atividades criativas e de performance, o Projeto Ágora convida João Gomes, para compreender os efeitos provocados pela crise sanitária, quer no nível individual, quer no âmbito do sector cultural em Portugal.
Francesco: Olá, boa tarde, grande João! Obrigado por ter aceite este convite!
João Gomes: Boa tarde grande Francesco!
Francesco: Aqui nas conversas do Projeto Ágora, podes te apresentar rapidamente?
João Gomes: Então, sou João Gomes sou músico, trabalho aqui em Lisboa na música desde 1994 ou por aí, portanto há de ser por ai 25 anos… ya! Já trabalhei em vários projetos, com vários artistas na área da música negra, música soul, música afro, música reggae e por aí…
Francesco: Ótimo! Eu já cruzei contigo também em algum projeto no passado, Orquestra Todos e em algumas coisinhas ai que aconteceram…
João Gomes: …ya!
Francesco: É um prazer ter te aqui, eu normalmente faço uma série de perguntas aos artistas e aos músicos, exatamente para perceber um pouco qual foi a vivência durante este período de pandemia… estamos em pleno verão, agora, não é? 2021 e ainda cancelam concertos, me cancelaram um por exemplo da Orquestra Todos há uns dias atrás, estamos ainda no risco de cair outra vez em restrições, confinamentos e etc. Portanto eu gostava de começar para saber como é que viveste isto e como é que te afetou a nível sobretudo… digamos em primeiro lugar, financeiro por exemplo?
João Gomes: Oh! Claro que afetou muito, vivi de várias formas… estas pandemias teve várias fases, não é? Como principalmente na nossa interpretação das coisas, perceber o que é que estava a acontecer… o primeiro ano eu ainda tinha algumas economias fixe! Tenho trabalhado bem nos últimos anos e foi aquela ilusão de que tudo ia passar rapidamente. Tive uma quebra de faturação de 90 e tal %, mas fui me aguentando na esperança que no ano seguinte as coisas fossem voltar ao normal e que desse para regressar. No meu caso nada voltou ao normal, no final… no início do desconfinamento já este ano também perdi mais trabalho e cenas que tinha a espectativa de ter de trabalho, que deixei de ter e neste momento estou um bocado numa fase de procura de novos projetos, mas está tudo muito em águas de bacalhau, não é? Porque na realidade ninguém sabe com o que é que vai contar nos próximos meses, os próprios agentes e promotores, etc. não sabem o que é que vai acontecer, está tudo sempre dependendo dos números e dos comunicados da DGS e governo, epá! E é… continua a ser tudo muito complicado… epá! Acho que há cada vez mais gente do nosso meio a pensar em trabalhos alternativos e deixar…
Francesco: …e chegaste a pensar alguma vez nisso?
João Gomes: Agora, quando vinha a vir para aqui, pela primeira vez pensei nisto!
Francesco: Sim? De deixar por um tempo e encontrar alguma alternativa…
João Gomes: …epá! Para procurar outra cena…
Francesco: …tipo? No campo da música ou… mudar de sector…
João Gomes: …epá! Não sei, acho que, não sei… epá! Os campos todos onde eu estive sempre ligado, são todos campos que estão neste momento parados: noite, restauração, lojas, bem… lojas de discos por exemplo, foi uma atividade que acho que teve um pequeno aumento, um pequeno boost, não é? Quando… mesmo quando estavam fechadas eu acho que há muita gente que vendeu mais, há muitos anos já tive uma loja de discos e era uma cena que eu curtia fazer, que eu acho que conseguia fazer, epá! Sei lá, mas… pronto! Mas agora estou… por acaso estava a pensar nisto, mas ainda não tomei esta decisão, espero não chegar a ter que tomar…
Francesco: …mas chegaste a este…
João Gomes: …hoje em dia já dependo menos de… os meus filhos já estão crescidos, agora já não tenho aquela cena de comprar as fraldas… epá! Pronto, já são mais independentes e eu me aguento, mas está muito complicado e foi uma grande… um grande choque! Talvez para quem tivesse mais trabalho, nota-se isto mais…
Francesco: …e tu eras um desses…
João Gomes: …eu tinha muito trabalho, estava a tocar numa media de 4/5 vezes por mês todo o ano!
Francesco: Ou seja tinhas uma media de 50/60/70 concertos por ano…
João Gomes: …ya!
Francesco: 2020 foi tipo…
João Gomes: …2020 ainda tive ali em Fevereiro… ainda fiz uma tour!
Francesco: Ah! Pouco antes de…
João Gomes: …devo ter tido uns 9 concertos, que foi o meu balão de oxigénio para o resto do ano!
Francesco: E no verão de 2020… 0?
João Gomes: No verão de 2020 tive 3 ou 4 concertos, no verão quer dizer… de Maio até ao fim do ano!
Francesco: Sim, sim!
João Gomes: No segundo semestre de 2020, tive meia dúzia de concertos, que é muito… epá! Não daria para me sustentar…
Francesco: …muito pouco, claro!
João Gomes: Ou seja… todas as economias que eu tinha, foram usadas… epá! E é isso e agora um gajo está com 50 anos a fazer um restart! À espera de um momento para poder fazer um restart! Porque não sabemos quando é que isto vai acontecer…
Francesco: …por exemplo, em relação ao trabalho criativo, durante estes meses aconteceu alguma coisa relevante, algum projeto novo, algumas ideias… conseguiste trabalhar por exemplo em casa no confinamento, compor, fazer… ou também ficaste meio bloqueado?
João Gomes: Não! É a mesma coisa do que eu estava a dizer no início, houve várias fases e no início foi uma fase mais ingénua, mais lírica em que todos estavam a procura do lado positivo da paragem e a achar que íamos conseguir tirar muitas coisas positivas, nesta altura se calhar estava mais criativo e um pouco mais, com mais pica para fazer coisas… fiz um EP, produzi um EP com Karlon, um rapper… e no entretanto estivemos sempre na iminência de lançar o disco dos Fogo Fogo que tinha sido acabado de gravar também em Fevereiro de 2020. Acabamos por ainda não o editar, porque não achamos que fosse a melhor altura, porque epá! Não podendo produzir… promover o disco e as músicas novas, sem podermos apresentarmos ao vivo é um bocado complicado e é um projeto de festa, de dança e não estamos a conseguir a ter concertos… os poucos concertos que há, é tudo coisas mias intimistas, mais calmas… e portanto, temos estado nesta… a obra está feita, tinha sido feita mesmo antes de começar a pandemia, mas foi mais esta questão do planeamento e planificação do lançamento…
Francesco: …ficou em standby?
João Gomes: Já lançamos um single, fizemos… já temos tudo pronto e o disco está na fábrica, vamos tentar lançar no final deste verão…
Francesco: ah! No final do verão…
João Gomes: …sim!
Francesco: Tendo em consideração que o inverno poderá ser mais um inverno destes últimos…
João Gomes: ….epá! Pois!
Francesco: Mas tem que ser lançado, claro!
João Gomes: Claro! Epá, já estamos fartos de ter o disco há um ano… na prateleira!
Francesco: Claro!
João Gomes: Já não nós dá muita… a pica também vai se perdendo, já estamos com mais vontade de fazer um disco novo… do que divulgar este que nós já conhecemos de trás para a frente, já o ouvimos bué, apesar de ainda ninguém o conhecer…
Francesco: …sim, exato! Vais lançar um álbum que para ti já é velho…
João Gomes: ….já não é novo!
Francesco: Isto é muito esquisito, mas pronto! É um período de standby em que muitas pessoas têm discos para lançar e estão parados…
João Gomes: …é isto! Mas eu acho que acontece… corre-se o risco de acontecer este fenómeno, o próprio artista perde um bocado a…
Francesco: …a pica! E já que por exemplo, Fogo Fogo é uma banda de dança
e de festa, te aconteceu de fazer alguns concertos em live streaming, isto sim porque te vi durante a pandemia, eu estava confinado em Nápoles…
João Gomes: …ya!
Francesco: E fizeste alguns concertos com público, sentado, com máscara e estas restrições?
João Gomes: Fizemos!
Francesco: Qual é o sentimento e a sensação?
João Gomes: Epá! Já estou habituado… a começar a habituar-me, no início era super estranho, o último que fizemos que foi o primeiro… foi o regresso à Casa do Independente, estavam 35 pessoas ou o que… que era a lotação permitida máxima, que era ridículo… ma eu já curti bué! Diverti-me imenso, tal era a ressaca e as saudades de tocar naquele palco, mesmo sendo nesta situação das pessoas sentadas e super limitadas e super… ya! Limitadas… deu para curtir!
Deu para curtir, porque as saudades eram mais do que isto… super reprimidas na verdade, eu estava à procura da palavra… mas ao mesmo tempo, aqui há duas semanas atrás fui com a Sara Tavares à Bulgária, tocar no Sul da Bulgária, em Plovdiv e lá eles dizem que já têm imunidade de grupo, já não há restrições nenhumas, a lotação da sala estava… que era ao ar livre, parecia um teatro romano, estava totalmente cheio, sem máscaras… epá! Era uma sensação completamente diferente, parecia que de repente estávamos em 2019 outra vez!
Francesco: Fantástico!
João Gomes: Foi incrível!
Francesco: Eu por acaso vi nos jogos do europeu lá por Hungria…
João Gomes: …Hungria também…
Francesco: …estádios cheios de gente, tudo sem máscara tranquilamente…?!? Há umas diferenças e umas discrepâncias…
João Gomes: …nós fomos… só para viajar tivemos que fazer todos o teste, todos negativos, lá também… de lá para cá tivemos que fazer o teste, epá foi incrível!
Francesco: Ok! E em relação a estes novos formatos de apresentação e de performance, mesmo ontem me chegou uma email a convidar-me a escrever-me numa plataforma de live streaming para aceder a um público global, através deste formato de performance que é o live streaming, o que é que sentes em relação a isto? Se fez muito, não é durante a pandemia… muitos concertos, muitas gravações caseiras… ou não…
João Gomes: …não tenho a mínima motivação para investir nisto!
Francesco: A mínima motivação para investir nisto?
João Gomes: Ya! Não tenho nem interesse, não curto, epá! Atuar para um ecrã… não curto!
Francesco: É como ir num estúdio de televisão… mas é estranho…
João Gomes: ….também não curto ir à televisão!
Francesco: Não! Eu pergunto isto porque também…
João Gomes: epá! É sempre gostei de fazer concertos e de fazer música… mas… epá! Estar a comunicar, estar a ver as pessoas, estar em festa.. então como DJ, eu gosto de ouvir música passada por DJ’s e de dançar com outras pessoas, danças com desconhecidos, epá! Esta vida agora é criminosa! Eu gosto… streaming, epá! É mesmo triste para mim, é mesmo triste… não, epá! Fiz meia dúzia de vezes, pronto! Porque… achava que era necessário, era… na altura era a única coisa que havia para fazer… epá! Nem sequer se ganha muito dinheiro, algum dinheiro de jeito… enquanto isto não acontecer, eu acho que não vou investir nisto!
Francesco: Ok! Ok!
João Gomes: Prefiro viver com dois trocos, vir para aqui todos os dias a apanhar sol e a ler o meu livro!
Francesco: Grande! Não és o único, há outras pessoas que disseram que eventualmente se o futuro da música vai nesta direção deixariam de tocar, o que é exatamente o último fim do músico é compartilhar momentos e música com o público…
João Gomes: …ya!
Francesco: Ok! Vamos para a parte final aqui da nossa conversa, eu gostava de saber se durante esta pandemia, conseguiste pelo menos ter algum apoio financeiro do governo, dos vários apoios que foram apresentados, candidaturas de projetos para a cultura…?
João Gomes: Ya! Tive alguns, por ter empresa no início foi muito complicado, em 2020, epá! As coisas estavam todas… não estavam feitas para a realidade… os apoios não foram pensados para a realidade… epá! Viu-se claramente que a tutela não tinha noção do que é que eram os estipulados, estas a ver? Não têm noção do que é que é o mundo terra a terra da cultura, portanto estava tudo… epá! Foi super complicado, eu tinha a empresa, mas sou trabalhador… sou sócio gerente de uma empresa, mas tenho direitos de autor e passo recibos verdes para os direitos de autor, então como tinha recibos verdes passados não podia receber apoio da empresa, porque tinha a empresa não podia receber o apoio aos particulares, foi super complicado! Mas depois lá para o final do ano… lá recebi um apoio da Segurança Social, recebi um da Câmara e depois candidatei-me ao apoio do apoiar Compete2020… não é? Do Garantir Cultura, epá! Que se revelou no final um apoio muito, epá! Muito pouco apoio, porque implica uma grande capacidade de investimento, que naturalmente os artistas e as empresas das artes, neste momento poucas têm! Muitas poucas têm… e eu fiz um projeto que foi apoiado mas que… agora com o passar do tempo, estou a chegar à altura de começar a pô-lo em prática e estou a ver que não vai ser possível, porque eu tenho que… tinha que ter um fundo de maneio, que neste momento já não tenho, a minha vida está parada há mais de um ano! Eu tive uma quebra de faturação gigantesca que eu na altura que fiz o projeto ainda esperava talvez, pudesse mudar nesta altura, estamos um Junho, final de Junho… já tivesse algum trabalho, mas as espectativas neste momento são… igual ou pior a 2020, epá! Portanto vou ter que desistir, vou ter que… vou devolver o dinheiro, porque estou a ver que na altura de começar a fazer pagamentos ainda não vou ter… com o IVA, tenho que pagar a priori, eu não vou ter este dinheiro! O IVA só se recebe no ano seguinte, portanto a pessoa tem que ter um fundo de maneio, tem que ter uma base para conseguir fazer estes investimentos e epá! Pronto eu acho que… a ideia que eu tenho então em relação aos apoios que houve é que são todos meio falaciosos, então os apoios também do Garantir Cultura para profissionais independentes… é tudo… paga-se IRS, paga-se… é tudo taxado!
Francesco: Sim!
João Gomes: Então como é que vais ganhar dinheiro com os apoios que estão a dar? Nós é que temos que pagar impostos de tudo, sobre estes apoios todos, epá! É por isto que é muito complicado resistir…
Francesco: …e portanto em conclusão a política cultural é assim um pouco meio… falaciosa, falaz? Não como é que se diz?
João Gomes: Falaciosa!
Francesco: No sentido que estes apoios vêm mas depois são taxados e é difícil depois realizar projetos culturais!
João Gomes: Ya! É preciso ter-se uma base, que não há nunca… porque julgo que nesta altura ninguém tem!
Francesco: Depois de um ano e meio de inatividade…
João Gomes: …pois…as maiores empresas do meio da música, estão a trabalhar com dois ou três trabalhadores e… epá! Está tudo desfeito, o nosso mercado… o nosso, epá! Não sei números, mas de certeza que mais da metade das empresas, não vão reabrir…
Francesco: …não vão reabrir…?
João Gomes: Eu acho que nós no final disto, vamos estar a um nível se calhar semelhante em termos de meios, de número de empresas e de profissionais dentro da… na área a funcionar como estava em 1990!
Francesco: Incrível! Ok! Grande João! Para acabar, tens alguma música que produziste, uma ou duas durante o período da pandemia ou algum live streaming que possamos aqui linkar na entrevista?
João Gomes: Eu tenho estes live streamings dos Fogo Fogo…
Francesco: …que fizeste no Namouche Studio?
João Gomes: Sim! No Namouche…
Francesco: …eu estava a ver te de Nápoles, quando estava confinado lá…
João Gomes: …ya! Foi o Live in a Box, o que era, não é?
Francesco: Fado in a Box?
João Gomes: Chamava-se Live in a Box… acho que foi!
Francesco: Ok! Encontra-se no youtube, não é?
João Gomes: Ya! E também lancei um EP com Karlon, chamado “Ismos”!
Francesco: “Ismos”! Boa!
João Gomes: Sim! Com cinco músicas, eram 5 instrumentais que eu tinha lá feito em casa, tinha comprado uma MPC e tenho produzido várias coisas assim, mais de hip hop, com samples de Cabo Verde e o Karlon que é de origem cabo-verdiana ouviu, gostou muito e fizemos aquilo um bocado assim à correr…
Francesco: …ele meteu umas letras por cima, fantástico! Eu procuro…
João Gomes: “Ismos”, está nas plataformas digitais!
Francesco: ok perfeito!
João Gomes: Madface e Karlon…
Francesco: …como?
João Gomes: Eu sou Madface e Karlon!
Francesco: Ok, nunca tinha ouvido, vou ouvir então, fantástico! Obrigadíssimo!
João Gomes: Nada Francesco!
Francesco: Pelo contributo, obrigado!
João Gomes: Um prazer!
Francesco: E espero que este verão corra melhor, estamos ainda em Junho…
João Gomes: …vamos ver epá, eu já estou à procura de sítios para ir dar mergulhos… apanhar sol!
Francesco: Obrigado mais uma vez!
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