18.05.2022
Martín Sued é um compositor, arranjador e bandoneonista argentino. Nascido em Buenos Aires, destaca-se como compositor por renovar o repertório do bandoneon, um instrumento tradicional, muito presente no folclore e na identidade da música argentina. Desde 2009 lidera o grupo Tatadios Cuarteto que tem dois discos editados. Também integra o Chiche Trío, junto com Sergio Verdinelli e Juan Pablo di Leone, e o duo Sued – Nikitoff. Recentemente editou seu primeiro disco de composições para bandoneón solo, “Iralidad” (2017). Nos últimos anos desenvolveu parcerias com músicos de diferentes países, como Guillermo Klein, Seamus Blake, Ben Monder, Milton Nascimento, Gilberto Gil, Yamandú Costa, Miguel Zenon, Diego Schissi, Liliana Herrero, Silvia Iriondo, Daniel Binelli, Mono Fontana, entre outros. Atualmente reside em Lisboa onde lidera o conjunto Martin Sued e Orquestra Assintomática.
Em resposta à situação de atual emergência devida à pandemia do COVID-19 e à necessidade de promover iniciativas que possam avaliar e atenuar o impacto no âmbito das artes performativas, investigar os efeitos da crise, com enfoque no sector da música, documentar as estratégias aplicadas pelos artistas nas suas atividades criativas e de performance, o Projeto Ágora convida Martin Sued, para compreender os efeitos provocados pela crise sanitária, quer no nível individual que no âmbito do sector cultural em Portugal.
Francesco: Grande Martin!
Martin Sued: Grande!
Francesco: Buenos dias! Bom dia!
Martin Sued: Bom dia!
Francesco: Bem-vindo aqui a estas conversas do Projeto Ágora, podes te apresentar rapidamente…
Martin Sued: Obrigado! Bueno, yo soy Martin Sued, soy argentino, soy un músico argentino, toco bandoneon y estoy a morar aqui en Portugal, en Lisboa há um ano e meio mais ou menos… agora cheguei em Portugal dois meses antes do confinamento e então, está sendo uma experiência assim inesperada!
Francesco: Chegaste na altura certa!
Martin Sued: Cheguei na altura certa! Este…
Francesco: …vou te fazer uma série de perguntas já que tu és um músico que viajou pelo mundo e agora estás entre nós aqui em Lisboa, assim… e estás a viver como nós esta situação do último ano um pouco especial e então queria… vou começar com uma série de perguntas que têm a ver com a questão mais financeira, não é? Da vida, nesta situação, ou seja de que maneira a pandemia afetou assim… a tua situação financeira desde o princípio das restrições?
Martin Sued: Quase nada! Estou muito bem economicamente, não! No início afetou de uma maneira assim, drástica porque como falei acabava de chegar aqui a Portugal e eu ainda não tenho as documentações necessárias para receber apoios nem nada. Acabava de chegar no país e tive mesmo que sair da cidade e fazer pela primeira vez na minha vida um trabalho de outra coisa que não é a música, eu sempre trabalhei com música e tive uma experiência incrível, trabalhando no campo no sul de Portugal por um período de três meses, quase quatro meses, porque aconteceu isso: cancelou-se todo o trabalho, 100% do trabalho e então tive que utilizar a criatividade e achar a melhor possibilidade e foi uma experiência de aprendizagem super forte e linda também!
Francesco: Tiveste neste período a ideia alguma vez de mudar de trabalho, de deixar a música e de dizer: basta!
Martin Sued: Sim, muito! Sim, no início aconteceram muitas coisas como a todos, acho que todas as áreas, foi um momento muito mobilizante, não? Mobilizador para todo o mundo mas… sim! No início eu senti como… quanto a nossa atividade dependia de… da roda financeira internacional, ou seja: que é uma coisa que nós achamos que tem muito a ver com os afetos, a paixão, o sentimento… quanto isto está ligado a um sistema económico que se quebra um pouquinho e desaparece a nossa profissão, não é? Então comecei a fazer perguntas: para quem estou a fazer o que eu faço? O que quero com isso? Estou a fazer para mim? Para quem estou a fazer? E quando a coisa começou a virar assim para o digital e para a coisa virtual, aí comecei a sentir, ou seja… se a música começa a ser uma coisa virtual eu não tenho interesse em continuar a… com isso como minha prioridade, não?
Francesco: Sim! Isto é interessante porque parece que o futuro vai nesta direção!
Martin Sued: Claro! Mas, depois por exemplo, quando a coisa acalmou um pouco e abriu um pouco e começamos, quando começamos a ensaiar com o nosso projeto, aí voltou de uma maneira enorme a vontade de tocar e de fazer música e também de ressignificar ou voltar ao sentimento que me levou à música no início, não é? Que é a coisa de partilhar, a importância de partilhar com os outros a música, a importância de… como uma coisa de comunicação e de convívio que quando não está… é o momento que eu penso, que começo a pensar… assim não me interessa!
Francesco: Sim! Interessante! Diz me uma coisa: tu por acaso recebeste algum apoio da cultura, de alguma instituição durante este período?
Martin Sued: Não! Nada, porque como te dizia, como ainda não estou, não tenho… não cumpro requisitos para…
Francesco: …deve ter sido ainda mais difícil… para perceber o tamanho dos efeitos reais, tu em 2018 e 2019 fazias quantos concertos por ano, por exemplo? Em média?
Martin Sued: No mínimo um por semana, mas muito mais do que isso…
Francesco: …por volta dos 70/80… 100 concertos por ano?
Martin Sued: Sim! Ou mais…
Francesco: …e 2020 foi um ano específico… em que tocaste quantas vezes?
Martin Sued: Ah! Contados com os dedos das mãos!
Francesco: Eu gostava de saber, em termos de criatividade, de trabalho criativo, tiveste por exemplo esta oportunidade de fundar uma orquestra que se chama Orquestra Assintomática em Lisboa, mas nos períodos mais duros de confinamento como é que correu esta questão criativa?
Martin Sued: Tive vários momentos, não é? No início, quando começou a pandemia, tive um momento muito forte de conectar com a música de uma maneira mais pura, fora da coisa da profissão, se não… mais natural de conexão com a música, super forte, voltei a estudar o meu instrumento, a fazer exercitações de harmonia, a gravar, muitas coisas como portas adentro, que vivi como um momento de detenimento do mundo e senti uma necessidade forte de aproveitar isso para ficar em casa! Se calhar muitos amigos e outras pessoas ficaram com uma necessidade superforte de continuar mostrando coisas, fazer vídeos… eu tive um período em que comecei a conectar-me com a música muito forte em casa… adentro! E foi super lindo… e sim! Tive um momento de criatividade e depois, quando fui… quando passei esta experiência no campo no sul, também porque… como… a coisa de ter uma experiência de vida totalmente diferente, num espaço super agradável e partilhando com pessoas super lindas e foi uma coisa super inspiradora, mas numa altura começou a acontecer isto: de não ter a possibilidade de fazer música com outros e de ter um objetivo real de… sei lá? Por exemplo para compor… uma música para tocar com outros, sem não saber quando esta música vai ser tocada, comecei a perder o estímulo, sim!
Francesco: É mais ou menos o que todos respondem, um primeiro momento de… digamos assim… de vontade de aproveitar o tempo para estudar, voltar a estudar, ter tempo para… mas depois de um pouco de tempo, perder o estímulo e este é um ponto em comum com os outros! E agora passando um pouco mais à frente: agora que estamos numa altura em que está reabrindo devagarinho e temos o medo que possa voltar a fechar, que é o que aconteceu em vários países de Europa e do mundo… mas, neste sentido, quais estratégias por exemplo artística e/ou pessoal tens para lidar com esta situação no futuro? Por exemplo, em termos de carreira, tocar, fazer projetos… isto me interessa porque estamos vivendo uma altura em que também o formato de apresentação da música, está passando do formato live ao formato streaming, computador onde tudo se passa dentro de uma tela…
Martin Sued: …eu sinto que temos que resistir a esta mudança, não é? Não pode acontecer isto, ou seja: se calhar não vamos ter os grandes festivais, mas a música é uma coisa de partilha, é como… não podemos parar de deixar de partilhar… é como… eu acho que vai ser como água, que haja lugar por onde continuar, não é? Não é possível acabar com isso e…
Francesco: …todos estes festivais online e streaming, pessoal que fez streamings e…
Martin Sued: …eu, na verdade, não sei se é meio ridículo, mas eu tenho fé que a coisa vai voltar, que vamos poder voltar a trabalhar de tocar ao vivo, na verdade vivo desta ilusão, porque se penso que a coisa vai diretamente virar para a virtualidade eu prefiro fazer outra coisa na minha vida, não… cozinhar… não sei… é outra coisa!
Francesco: Tens uma espécie de repulsa a priori?
Martin Sued: Sim!Mas… estratégias, não sei… por enquanto é mais “salvatagem”… é mais…
Francesco: …salvar-se!
Martin Sued: Salvar-se e sobreviver e tentar, uma coisa que eu acho muito importante é tentar pensar nestas estratégias de uma maneira coletiva, não é? Não de uma maneira individual, porque isto vai acabar connosco, se começamos a viver isto como: como posso eu me salvar? Já o futuro é muito desolador, não é?
Francesco: E em termos de estratégia coletiva, há algum movimento que tu tenhas visto, aqui em Portugal ou em Argentina ou em qualquer outro lugar do mundo, de artistas que se juntaram para fazer alguma coisa…?
Martin Sued: Na verdade não tenho uma informação de uma coisa assim, estabelecida… sei que se formaram grupos e coisas, mas não tenho um exemplo assim super claro para partilhar, mas o que estou a dizer é que acho que temos… mesmo isso que estás a fazer, temos que pensar juntos …
Francesco: …pensar juntos, exatamente, uma estratégia para…
Martin Sued: …uma estratégia para todos!
Francesco: Exato, para não nos deixarmos digamos assim… este futuro que parece já traçado de uma música que se deve viver online, até porque como disseste antes, a vida de um músico é uma vida de partilha com os outros, seja a experiência criativa que depois a performática com o público…
Martin Sued: …claro! Pelo menos a coisa da música, no sentido que a música tem para mim e que sei que tem para ti e para muitos outros, não é? Que infelizmente não é o sentido que tem a música no nível alto do mercado. Ou seja, já antes da pandemia este tipo de música que ouvimos, que era igual aqui, em Turquia, África, Sul América… que é música pasteurizada, música que não é feita… não surge de um convívio, é música que surge de alguém que quer ganhar um dinheiro! Então, para esta música do mercado é ainda melhor esta situação, é mais simples, mais acessível, não? Porque o único objetivo é ganhar dinheiro! Mas para nós que escolhemos a música como uma maneira de viver e uma maneira de nos relacionar, esta é uma tragédia! Não é?
Francesco: Absolutamente! Temos que, exatamente sobreviver e resistir nesta altura e produzir, criar…
Martin Sued: …criar, criar juntos! E estamos a fazer, não é? Quando aparece a oportunidade vamos fazer e eu tenho a esperança de que vamos a encontrar a forma, se calhar vamos fazer muito pouco, vamos fazer um grão de areia no mundo mas…
Francesco: …a coisa bonita é que num ano, já passou mais de um ano de restrições e conseguimos montar uma orquestra…
Martin Sued: …montamos uma orquestra, oooh!
Francesco: Mas agora, são 3/4 meses que estamos parados porque veio mais um confinamento e 4 meses é 1/4 de um ano…
Martin Sued: …sim! Mas eu acho que uma das coisas bonitas da arte ou da música é justamente transformar estas cenas em beleza, não é? A nossa responsabilidade, tem que ser esta!
Francesco: E para terminar, assim, eu muitas vezes pergunto se vocês e eu, pergunto isto a mim próprio, se esperas da política ou de quem… o Ministério da Cultura, de quem… pronto! Gera a política da cultura… se tens algumas espectativas depois de tudo o que se passou ou que está passando, em relação ao sector cultural, à música?
Martin Sued: Ou seja, é complexo para mim! Para mim, obviamente tem que existir apoios, tem que existir ajuda, mas ao mesmo tempo, acontece como uma luta de sentimentos neste ponto, porque às vezes quando vejo alguns movimentos de artistas a pedir para o Estado muita coisa e ao mesmo tempo vou a caminhar por Almirante Reis e vejo pessoas dormindo na rua e antes da pandemia, nenhum deles falava nada! Eu sinto também que a comunidade artística, tem que se pensar dentro de uma sociedade que tem umas carências enormes e que nós dentro desta sociedade, ainda assim com esta merda que ficamos fechados, temos privilégios, não é? E pensado no mundo… não é? Então eu penso que tem que ter apoio, tem que ter ajuda, mas que a prioridade tem que ser os que não tem para comer, não é? Os que não tem para comer, ou os que acabam no crime, acabam na cadeia, sabes? Que eu acho que se nós, como trabalhadores da cultura, temos por nosso estilo de vida tempo para refletir e estamos avocados a uma mirada sensível do mundo, não podemos pedir coisas para nós, esquecendo que há pessoas que não estão e… esquecendo que somos privilegiados, não é? Então… sim! Temos que pedir para o governo, mas eu acho que o mais interessante é tentar participar e tentar criar, nós, aproveitando o privilégio que temos… criar uma maneira de resistir a esta situação, pedir também… mas não só pedir!
Francesco: E se calhar, sensibilizar também a opinião pública sobre…
Martin Sued: …sensibilizar a opinião pública e nós próprios entender que, quando somos trabalhadores desempregados agora, não é que somos… não existe um trabalhador desempregado premium… ou seja: é igual que um outro trabalhador desempregado! Então às vezes quando… eu sinto uma coisa meio estranha quando um artista fica desempregado e pretende um apoio que outro desempregado não tem, porque? Somos juntos, desempregados! Então, isso… não sei se sou claro!?
Francesco: É uma outra perspetiva, porque cada um tem uma perspetiva diferente… ok! Para acabar e agradeço pela tua disponibilidade…
Martin Sued: …obrigado!
Francesco: Queria saber se tens alguma música que produziste durante este ano, que queiras… que possamos alegar a esta entrevista para quem ver depois, poder ouvir o grande som do Martin Sued!
Martin Sued: Podemos usar o vídeo que vamos gravar acá na…?
Francesco: Claramente, se tem alguma música no específico daquelas que vais gravar…
Martin Sued: “Migra” pode ser…!
Francesco: Porque? Argumenta em 30 segundos… há um significado?
Martin Sued: É uma música inspirada nas migrações de pássaros, como um espelho de nós, não é? Tem uma coisa que… eu soube uma vez, que os pássaros muitas vezes migram sem ter a necessidade física, ou seja que são pássaros que originalmente migravam por uma mudança de clima, então para procurar alimentos faziam estas viagens, mas depois com o cambio, depois… sem precisar de viajar por alimentação, viajavam igual por informação genética das gerações anteriores que faziam aquelas viagens, então me fez pensar também em nós que migramos pelo mundo, às vezes por uma necessidade concreta e às vezes mesmo por uma… é repetir um movimento! E para mim, estes são os primeiros tempos fora da minha terra e são sentimentos super fortes, então acho que esta música representa um pouco…
Francesco: …ok! Perfeito, muito obrigado Martin!
Martin Sued: Obrigado eu!
Francesco: Iremos depois alegar esta música que ainda vai ser gravada nestes dias, muito obrigado! Olha que lugar especifico e especial… maravilhoso!
Martin Sued: Maravilha!
Francesco: Obrigado Martin!
Martin Sued: Obrigado eu!
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