23.05.2022
Nilson Muniz é um ator e cantautor brasileiro, que transita entre a música, o teatro, a poesia e a performance. Formou-se em Pesquisa Teatral em São Paulo (Brasil) e através de intercâmbios em Israel. Colaborou com o CEM, cantando músicas de Luiz Tatit, André Ambujamra e Pepeu Gomes. Desde 2003 se dedica a performances com canções de sua autoria, apresentando-se em vários países, entre os quais Brasil, Alemanha, Israel, Bulgária, Portugal e Espanha. Atualmente reside em Lisboa.
Em resposta à situação de atual emergência devida à pandemia do COVID-19 e à necessidade de promover iniciativas que possam avaliar e atenuar o impacto no âmbito das artes performativas, investigar os efeitos da crise, com enfoque no sector da música, documentar as estratégias aplicadas pelos artistas nas suas atividades criativas e de performance, o Projeto Ágora convida Nilson Muniz, para compreender os efeitos provocados pela crise sanitária, quer no nível individual, quer no âmbito do sector cultural em Portugal.
Nilson Muniz: Olá eu sou Nilson Muniz, sou um performer da palavra, corpo e som, passei pelo teatro, pela dança, pela música e pela poesia: esta é a minha parada, a minha movimentada!
Francesco: Muito bem vindo Nilson, obrigado por aceitares este… com esta disponibilidade a esta conversa do Projeto Ágora! Há poucos dias estivemos juntos a tocar, foi o primeiro concerto depois do desconfinamento, foi fantástico!
Uma belíssima experiência e depois te pedi exatamente de conversar comigo sobre algumas questões relativas ao nosso trabalho, à nossa profissão, à música e aos últimos acontecimentos e normalmente começo por perguntar, já que se passou mais de um ano do princípio da pandemia, quais foram os impactos, qual foi o impacto a nível financeiro sobre a tua profissão de performer?
Nilson Muniz: É! Foi um susto! Na realidade ainda é, porque ainda não é possível prever como serão os próximos tempos assim… de uma certa forma, me sinto positivo porque também observo um pouco Portugal, curiosamente um pouco melhor dos outros países, neste aspecto. Então acho que pode ser que por aqui as coisas voltem ao normal um pouco mais rápido, assim espero… pelo menos que se mostre um pouco assim também, mas quando ocorreu foi um susto mesmo! Eu estava com projetos em andamento, no período… no exato momento em que aconteceu a pandemia, em Março do ano passado [2020] eu estava a começar os ensaios de um espetáculo… de teatro e ia começar uma residência também com uma performance minha, num projeto meu no Braço de Prata, que é uma casa aqui! Então, eram dois projetos que estavam ali para acontecer, que eu estava muito animado por aquilo e de repente, foi tudo meio que cortado! A performance parou! Nós só fizemos uma semana e na semana seguinte, exatamente no dia em que eu faria a casa encerrou, naquela tarde… através de uma mensagem! Eu estava saindo de um ensaio para ir para lá e recebi a mensagem, fiquei um pouco com as pernas assim… e o espetáculo continuou, o início foi interessante, foi uma sorte, ou enfim… a Companhia João Garcia Miguel, que é uma companhia subsidiada pelo governo, então eles tinham ali que preencher aquele calendário de alguma forma e nós então tentamos ver como poderia ser este trabalho naquela circunstância. Então a gente continuou ainda ensaiando por uns dois meses mais ou menos, via online, sem saber se voltaríamos ou não ou como voltaríamos, então pensamos: vamos fazer então rádio teatro, pensando as linguagens que nós faríamos para preencher aquele projeto, aquele calendário deles, não é? E por sorte ou… enfim, nós acabamos voltando em Maio, quando se encerrou o estado de emergência, o diretor queria muito… nós poderíamos ainda estrear em Setembro, parar os ensaios e os ensaios voltar só em Setembro! Mas o diretor queria muito… acho que ele tinha outros projetos neste mesmo período, então ele queria mesmo cumprir
aquele calendário e nós voltamos… retornamos em Maio a ensaiar presencialmente, então foi também um pouco… foi para mim, da forma como eu… foi por lealdade ao projeto mesmo, ao diretor, porque era um risco! Nós estávamos correndo um risco, éramos em 7 integrantes e todos aceitamos correr o risco, porque se um de nós… estivéssemos, fossemos contaminados os espetáculos… tinham que parar o projeto, tinha que parar! E por ser um espetáculo de teatro e um trabalho muito físico que exige contacto, então se um de nós fosse contaminado o projeto pararia e se um de nos morresse, mas enfim… enfim, então […] então nós ensaiamos ainda, nós ensaiamos mais um mês e estreamos no final de Junho, ficamos oito dias direto em cartaz e então, dentro deste período eu tive este trabalho de uma certa forma que me salvou, não é? Consegui ali me programar para os meses seguintes, assim… não é? E dentro deste período também peguei um apoio da Gulbenkian, então isso para mim também foi…
Francesco: …te ajudou a…
Nilson Muniz: …me ajudou a ficar mais tranquilo, dentro desse primeiro período. Mas depois é lógico, não é? A vida corre e as coisas, as contas veem e não param… tudo para, menos as contas!
Francesco: Incrivelmente verdade… verdadeiro!
Nilson Muniz: Foi um período e está sendo ainda de uma certa forma, um período escasso, não é? De apresentações assim de… performance e também não me sinto tão animado a me apresentar para… só para dizer eu estou me apresentando, não! Quero me apresentar para pessoas, eu quero ver pessoas… para mim esta é a questão, mesmo assim… o meu trabalho é assim, então…
eu estou paciente, como este período pede! Vejo um pouco assim… não é fácil, é um exercício constante dia a dia, vivendo um dia após o outro, com paciência e com confiança de que as coisas melhorem e então é assim que eu me sinto neste momento, já que nada parou, as coisas estão a melhorar mas… tudo continua como há um ano atrás basicamente, assim!
Francesco: Ótimo! E em termos de trabalho criativo durante os confinamentos, quando ficaste completamente parado a nível de apresentações, este confinamento, a pandemia… impactou de alguma forma? Conseguiste criar, escrever, fazer… ter ideias… ou de qualquer forma houve um bloco?
Nilson Muniz: Eu sinto que é um bloqueio, sinto que há um bloqueio por conta desta pressão de você… você não está tranquilo, totalmente tranquilo… para aquilo que eu faço, de uma certa forma eu preciso me sentir tranquilo para me concentrar, assim… para escrever por exemplo ou para pensar num projeto… não é? Não consigo assim pensar num projeto sem ver quando eu vou fazer isto, para quem eu vou fazer isto, aonde eu vou fazer isto! Então os lugares, a maioria dos espaços encerraram, fecharam as portas, alguns voltando aqui e ali em condições um tanto estranhas, não diria estranhas mas…
Francesco: …mas isto quando em Setembro/Outubro… quando? Depois do primeiro confinamento?
Nilson Muniz: Depois do primeiro confinamento até agora! Não é? É um pouco assim… são pouquíssimas as casas que retornam… depois não se sabe exatamente como é que é o pagamento destes trabalhos, já que o público está com receio de sair de casa, então você vai fazer… vai produzir algo para não ganhar nada? Não é? Tipo isto não é algo o que te estimule, então teoricamente até seria um momento assim, então vou produzir para quando isso melhorar… só que esse quando isso melhorar, por enquanto não existe, não é? Então há um bloqueio neste sentido… é lógico, eu vou preenchendo esse ócio com outras… colocando a minha criatividade em outros sectores, assim que me é possível, surgiu a oportunidade de criar sites de uma forma artística, então eu ali posso de uma certa forma aplicar um trabalho que eu gosto, assim de lidar com imagem que também é poesia de uma certa forma, de uma forma de ver… então acabaram que surgiram outros trabalhos, ou mesmo trabalhos também com… de dobragem que também num segundo momento, depois desse primeiro período também me ajudou ali… e é isso, um dia após o outro, vendo o que é que surge e aberto para o novo e para o que pode aparecer, assim… é isso!
Francesco: E em termos do novo e do que pode aparecer, quais tipos de estratégias podemos aplicar para o nosso trabalho, tendo em conta que isso pode eventualmente ainda durar algum tempo, alguns meses, quem sabe? Não sabemos! Mas como performers, músicos, no teu caso também ator, escritor, poeta…
Nilson Muniz: …eu vejo que… tem esta questão do streaming, eu ainda me sinto um pouco temeroso de ir para este espaço, não sei ainda… tendo por base a mim próprio… assim porque para mim, eu não tenho tanto interesse de pagar para ver um streaming, por exemplo, a menos que seja um espetáculo que eu sei que é de um diretor fantástico, sabes? De assim que você sabe que você só tem aquela oportunidade para ver e se você não ver, você vai comer bola… que não vai ter em outro momento… se é algo assim acontece, acho que sim… eu pagaria, não é? Mas as pessoas que estão neste momento, creio eu, pagando para assistir a espetáculos em streaming, elas estão pagando… é um pensamento meu! Eu posso estar completamente errado, mas eu acho que elas fazem isto muito mais por um sentimento fraterno de ajudar aqueles artistas, do que realmente de querer ver aquele produto artístico, porque não é a mesma coisa, porque o teu trabalho feito para palco é do palco, é no palco, para se ver! Esse fenómeno que acontece entre a plateia e o artista, o performer…
Francesco: …é única!
Nilson Muniz: É único e acontece naquele espaço, não é? Assim… é um encontro que acontece aí, entre a plateia e o público e o artista e é um encontro que acontece aqui… nós só sabemos quando o presenciamos! Não é a mesma coisa quando você está em frente a uma tela de computador em que você pode pausar para ir a casa de banho, para beber uma água, para.. ah! De aqui a pouco vejo os outros 30 minutos… Não é a mesma coisa! Não é? Não é a mesma relação que se tem com uma obra, não é? Pode ser que… ela acho que é uma linguagem, acho… eu vi alguns trabalhos não de aqui, vi alguns trabalhos de colegas brasileiros, no Brasil eu sinto que eles estão bem mais à frente neste aspecto, de… porque lá também existem outras entidades culturais que propiciam esta possibilidade, de auxilio mesmo ao artista, então existe ali… existe o SESC, existem algumas leis que o governo ainda não conseguiu derrubar, porque lá está a se viver um momento terrível, quanto ao golpe que aconteceu… que está acontecendo… mas existe… os artistas de alguma forma eles estão conseguindo, não todos… não é? Mas eles estão entrando e tentando descobrir esta linguagem…
Francesco: …do streaming? Deste formato…
Nilson Muniz: …do novo formato de espetáculos em casa, feito em casa, feito ao vivo, que eu acho que é algo interessante, é uma linguagem que sem dúvida vai se desenvolver e vai ter um caminho próprio, mas sabemos que não é a mesma coisa e será um novo produto, penso eu… assim! E pode ser que depois, ainda se ramifique em outras novas linguagens que… e que nós também nos acostumemos a isso e estas gerações que vêm a seguir… elas vão saber lidar e vão saber consumir isto com mais gosto do que nós que temos já esta necessidade, este costume da plateia, do palco, de usar o palco, de estar em contacto visual com o público… assim! Vamos nós acostumar, mas acho que isto leva um tempo e acho que algumas pessoas, alguns… em alguns lugares isso pode se desenvolver mais e acho que nós aqui temos que estar atentos a como que isso… como que esses outros países, estes outros lugares que estão desenvolvendo isso, como é que eles estão sabendo se colocar diante desta circunstância, de uma forma positiva descobrir este novo espaço, que é um espaço novo!
Francesco: Muito interessante esta perspetiva. Sim, muito interessante ver este novo formato assim… de performance como algo de novo que poderá se ramificar para outros formatos e observar quem o está fazendo, numa perspetiva positiva, é justamente interessante. Queria… já que estamos quase no final da nossa conversa, saber mais ou menos o que é que tu achas deste… considerando este momento, como um momento de reset ou de recomeço… este período mostrou a precariedade toda do sector cultural e artístico e se tens alguma espectativa da política, em relação ao trabalho das artes e da cultura no geral?
Nilson Muniz: Eu acho que num primeiro momento da pandemia, em que as pessoas tiveram mesmo que ficar nas suas casas, acho que tudo isto de uma certa forma está acontecendo para nós aprendermos a observar melhor a importância que a arte tem na nossa vida, não é? A arte é um alimento, nós precisamos da arte tanto quanto nós precisamos do arroz com feijão ou seja, precisamos do alimento físico para alimentar o nosso físico, mas precisamos da arte para alimenta o nosso intelecto, a nossa alma, não é? O que quer que queiram chamar isso, não é? O nosso “não matéria”… então a arte é um alimento e necessário! Sem ele, nós não conseguimos avançar e nós não temos outra condição se não a evolução, estamos aqui para evoluir! Então eu acho que de alguma forma esse mal, pode trazer a consciência desse bem! Não é? Que é um bem que nós temos, que é um bem imaterial, que é um bem cultural, é? Assim! Então eu acho que num primeiro momento as pessoas perceberam que elas não podem viver sem ouvir uma música, sem ouvir um disco, sem assistir a um filme, sem ler um livro, não é? Sem consumir arte, sem consumir cultura, não é? E essa… acho que isto foi bastante discutido, acho que muitas pessoas que nunca tinham observado isso, passaram a observar mais isto, então acho que é um passo… ainda um passo miúdo, não é? É pequenino… aos pouquinhos eu acho que esta consciência pode acontecer, mas ainda não é possível prever quando é que isso vai se dar de uma forma realmente consistente, de forma a valorizar realmente o trabalho do artista como deve ser. Mas acho também que… porque na dificuldade é que nós podemos… é na crise que nós avançamos, não é? Ou seja onde quer que seja, tanto na questão criativa, não é? Mas também na questão económica em todas as suas áreas, não é? Então, uma coisa que eu sinto aqui em Portugal é que é preciso uma consciência de classe, de união de classe, atenção que esta classe ela é ramificada, não é? Existem vários sectores culturais, não é? A música, o teatro, a dança, a literatura, não é? Mas eu sinto que aqui é sempre cada um por si! Não é? E essa… e não é possível se avançar de forma a conquistar esses direitos e ser bem valorizado por isto, não é? Ainda, com este pensamento solitário, este pensamento quase que egoísta… não é possível se avançar coletivamente… e a arte é algo que só acontece coletivamente, ela não tem outra forma de… ela não teria outra razão de existir se não fosse “eu para o outro”, não é? O eu com o outro, é exatamente essa… a comunicação, estar em “comum única ação”, assim… então! A arte eu a vejo desta forma e se nós não conseguimos entre nós… percebermos as nossas necessidades para poder colocar isso, para quem deve suprir estas necessidades, ficamos na praia! E eu espero que esta consciência parta de nós, que parta do artista principalmente! Se perceber que é preciso lutar, é preciso conquistar os seus direitos, não é? Junto a… de contrário, somos sempre reféns do empresariado, dos empresários, dos donos de casas noturnas, dos donos de teatros, das pessoas que são sempre as mesmas, que ocupam estes espaços e pagam quanto querem e se você não aceita, virá outro que está chegando e fará por menos e será sempre assim… se não houver uma lei que controle tanto estas pessoas que contratam, quanto estas pessoas que se submetem a fazer este trabalho… leis eu digo mesmo… penalizações mesmo! Para aqueles que não cumprem um mínimo básico!
Francesco: Uma tabela!
Nilson Muniz: Uma tabela! De forma a ser respeitada mesmo e não simplesmente… ah! Não é? Dar… se dando jeitinho para se escapar de algo que precisa mesmo de acontecer!
Francesco: Muito obrigado Nilson! É uma conversa que está a se desenvolvendo eu acho em vários grupos e este é o momento ideal para que estas problemáticas sejam analisadas e debatidas. Muito obrigado pelo contributo valiosíssimo, muito interessante ouvir as tuas ideias sobre estas questões. Gostava de terminar por pedir-te se queres nos dar algum link de alguma tua performance que possamos
alegar a esta entrevista, para o público depois…
Nilson Muniz: …eu adoraria dar um link de uma performance que vou fazer a semana que vem… mas infelizmente, neste momento ainda não… não sabemos a semana que vem, se a semana que vem virá…!
Francesco: Ah! Se a semana que vem dará… mas neste caso seria qual?
Nilson Muniz: Não! No caso, eu uso as minhas redes sociais, que no facebook é nilsonmuniz, a página oficial é nilsonmuniz, no instagram é muniz.nilson e no youtube também é youtube.com/nilsonmuniz… e ali tem, ali também… por ali dá para saber o que é que eu estou a fazer ou tem assim um pouco daquilo que eu já fiz e que virá e eu espero que seja muita coisa!
Francesco: Muito obrigado Nilson!
Nilson Muniz: Obrigado eu!
Francesco: Grazie e mille! Foste acompanhado pelo som dos passarinhos aqui desta bela primavera de Lisboa!
Nilson Muniz: Muito obrigado, obrigado eu Francesco!
Francesco: Mais uma vez!
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