25.05.2022
Tiago Santos é guitarrista, compositor, letrista e fundador de bandas seminais da cena nacional como Cool Hipnoise ou Spaceboys, mas também Cais do Sodré Funk Connection, Rita E O Revólver, Los Malditos e, mais recentemente, Hill’s Union e Suzie & the Boys. Fã assumido da dita “Música Negra”, é também DJ e radialista na Rádio Oxigénio, assinando vários programas de autor, como Planeta Jazz, Hora do Sol, Heróis no Ar e Exótica.
Em resposta à situação de atual emergência devida à pandemia do COVID-19 e à necessidade de promover iniciativas que possam avaliar e atenuar o impacto no âmbito das artes performativas, investigar os efeitos da crise, com enfoque no sector da música, documentar as estratégias aplicadas pelos artistas nas suas atividades criativas e de performance, o Projeto Ágora convida Tiago Santos, para compreender os efeitos provocados pela crise sanitária, quer no nível individual que no âmbito do sector cultural em Portugal.
Francesco: Olá Tiago Santos!
Tiago Santos: Olá Francesco!
Francesco: Tudo bem?
Tiago Santos: Tudo ótimo!
Francesco: Então, muito obrigado por aceitar este encontro, para uma conversa que contigo será super interessante, portanto se te puderes apresentar em quatro frases…
Tiago Santos: …então, eu sou Tiago Santos, sou músico, trabalho também na rádio e acho que é isso! É o que eu faço!
Francesco: Perfeito! Então, és perfeito para esta conversa, visto que já quero entender como os músicos viveram este período desde o princípio da pandemia e ainda estamos dentro desta… aliás vamos completar agora um ano quase, desde o princípio das restrições… eu gostava de saber: de que maneira a pandemia afetou a tua situação financeira, desde o início das restrições até hoje?
Tiago Santos: Sim! Pronto, como eu já disse eu sou músico e continuei a trabalhar na verdade durante todo este tempo em teletrabalho e mantive este trabalho e este rendimento que também já vinha de trás e manteve-se. Em termos financeiros, tive sempre esta base que tem sido também parte do meu trabalho. É claro que há outra parte do trabalho de músico que me ajuda a ter uma vida mais um pouco mais tranquila e… pronto! Tem a ver com a remuneração do trabalho que eu gosto de fazer e que eu quero fazer, e essa esteve cortada agora durante este período, mas pronto! Não… financeiramente… na verdade consegui manter esse rendimento de base que vem do meu trabalho da rádio, que também pronto, é um trabalho que eu faço com gosto!
Francesco: E em relação à tua parte, digamos de músico profissional e músico que toca em várias bandas, recebeste algum apoio, ou assistência financeira do governo? Recebeste? Conseguiste?
Tiago Santos: Epá não! Eu na verdade não me candidatei porque lá está, consegui manter este rendimento e neste aspecto não houve. Sei que, por exemplo, o meu patrão manteve o vencimento da rádio dos seus funcionários através do layoff e através de apoios que houve, portanto também parte do meu ordenado vem desse dinheiro da Segurança Social que é do layoff, mas não recorri a nenhum porque tenho mantido o ordenado.
Francesco: Então, vamos concentrar-nos na parte musical e da tua vida como artista e como músico. Em termos de trabalho criativo como é que a pandemia, ou o princípio do lockdown, o confinamento, como queremos assim chamá-lo… poderá ter afetado digamos… a tua vida normal criativa?
Tiago Santos: É claro que todas as pessoas são afetadas pelo seu meio, não é? Isto é uma lição que já aprendemos da história e todos os músicos também são… todo o seu meio à volta, todas as suas experiências afetam as suas vidas. É óbvio que esta situação transformou a vida de toda a gente e isto mudou muitos dos nossos, como tu disseste há bocado, estamos agora a completar um ano em que estivemos… em que estamos neste período de confinamento e isto criou naturalmente mudanças muito radicais na nossa vida, na nossa forma de trabalhar. Uma coisa essencial e o primeiro efeito, eu diria, que é a falta que faz a possibilidade dos músicos, sobretudo naquilo que é o meu trabalho, que é trabalhar em grupo, trabalhar em bandas, trabalhar nesta ideia de haver uma banda que tem uma determinada linguagem, uma determinada mensagem, uma determinada ideia para passar, mas… para já, a dificuldade de ter este contacto com as bandas para conseguires trabalhar e isso prejudica o teu trabalho, afeta-te, isola-te e altera a coisa. Depois também a falta de contacto com o público, daquilo que é razão de ser do nosso trabalho de subir ao palco e aquela interação que existe dos espetáculos, não é? Pronto! Essas foram à partida as grandes alterações, a primeira grande alteração. Depois houve várias fases, que por acaso no início, no primeiro confinamento… nós todos, epá! Não sei… nós todos, mas pronto! Eu estou a dizer, eu e acho que deve ter passado pela cabeça de muita gente, que é aquela ideia: bem! Eu, finalmente vou poder ter tempo para me dedicar a coisas, a ideias e tal… que eu poderia e gostava de desenvolver e houve um bocadinho esse frenesim de me obrigar quase a ocupar o tempo que tinha, um tempo fechado e confinado em casa: bem! Vou aproveitar este tempo para trabalhar! E eu… epá! Eu comecei inicialmente, até porque eu comecei com o teletrabalho…
Francesco: …foi logo em Março?
Tiago Santos: Sim! Aliás eu até comecei com o teletrabalho da rádio antes de vir o… uma semana ou duas semanas antes de vir o confinamento para toda a gente! Mas… portanto, eu comecei a fazer o teletrabalho e a fazer uma coisa que também, pronto aquela coisa de estar em casa a editar, fazer coisas para o computador, pronto, como sempre… ligadas especificamente ao trabalho da rádio. Mas então, eu estava a dizer que a determinada altura, nesta primeira fase eu como estava a mexer no editor, para me obrigar um bocado a compreender em mexer mais naquilo, comecei a fazer umas experiências musicais de volta daquilo! Como o meu sistema é muito rudimental, estava com um editor… epá! Pronto andei a fazer uns re-edits e assim umas coisas musicais, fiz uma coisa que até resultou bem, coisas que já te mostro a seguir… por acaso até acho que resultou bem que é assim uma brincadeira de tipo de coisas para dj’s, tipo fiz um mash-up! Pronto! Aquelas coisas que estava a fazer em casa, ouvir música e tal… mas isto para dizer o que? Que a determinada altura, eu senti e neste primeiro confinamento, eu senti esta coisa de… passei ali horas seguidas e dias seguidos à volta do trabalho com a música, ocupava o meu trabalho com… já trabalho na rádio com música, já trabalho como músico e no tempo livre estava a tentar fazer músicas para me distrair e houve um ponto em que acho que aquela coisa explodiu, saturou um bocado, houve ali um momento…
Francesco: …de stop!
Tiago Santos: Houve um momento de stop! Assim, uma espécie de rotura, epá! De repente já era música sempre, ia para a cama a pensar em música, acordava… epá! E tive que parar, então veio assim uma espécie de uma ressaca de tudo isso, em que fiquei tipo assim quase… em que não conseguia pegar no instrumento para trabalhar, não conseguia… epá! Olhava para o instrumento… e pronto! Eram muitas horas tipo… e às tantas, parece que fiquei assim numa espécie de… como uma intoxicação!
Francesco: Olha aconteceu-me a mim a mesma coisa, várias vezes durante esses…
Tiago Santos: …sim! Pois! E fiquei um pouco com esta reação, que é um bocado estranho que é terrível, porque tu és músico e tens quase uma reação em relação ao teu instrumento, que também é a tua vida e se relaciona com a tua vida e com o que tu és, com o teu trabalho e às tantas ficas com um sentimento de culpa, mas eu… isto é o meu trabalho! Não posso ter este tipo de… percebes? Foi uma coisa muito complexa, muito agressiva, foi assim uma coisa tipo: de repente, quase um choque com aquilo… com a tua vida, com a música… e a música… entrei assim , numa espécie de um conflito!
Francesco: Poderia ter sido uma perda de motivação… claro! O que senti foi isso!
Tiago Santos: Sim! Isto sem dúvida! Porque lá está: a mim o que me motiva e que me puxa um pouco é um bocado esta coisa da construção em coletivo, das bandas e não sei que… de tocar… para tocar ao vivo, que acima de tudo é isto que a gente faz! A gente toca em bandas para tocar ao vivo e subir para o palco e realmente, neste aspecto foi um bocado esta clara falta de motivação para isso, não é? E agora se calhar também respondendo a outras perguntas que se calhar vais fazer mais à frente, mas é… eu nunca tive predisposto, nunca foi a ideia para mim, uma ideia par mim, nunca existiu a coisa de poder fazer concertos online! De ir para… substituir… ah! Vamos criar aqui uma alternativa! Isto para mim nunca foi uma alternativa, quer dizer nunca pode existir! Pode funcionar como arma de marketing, para continuares a aparecer, para as pessoas conhecerem a tua música e o teu trabalho, o teu nome, para não se esquecerem de ti, pronto! Nesta perspetiva de marketing, talvez! Mas numa perspetiva daquilo que é o nosso trabalho de subir a um palco, daquela realidade que é a interação com o público à noite, que altera sempre a música que está a acontecer no palco, não é? E isto nunca substituiu… por isso é que me recusei um pouco a essas soluções alternativas!
Francesco: Mas, por exemplo, em perspetiva futura poderá haver este novo tipo de performance, ou de formato de performance, porque ouve-se falar em festivais que vão ser feitos em live streaming… poderá tornar-se um paradigma? Em relação a isso….
Tiago Santos: …não, epá! Eu creio que nunca poderá substituir, nunca irá substituir, porque sabes que as pessoas procuram é exatamente a comunhão, pronto! A comunhão à distância também existe, não é? As novas tecnologias permitem isso, mas todos nós sabemos que não é a mesma coisa, não é? Tipo… nós estarmos aqui a conversar ou estarmos à distância a trocar mensagens ou a falar por whatsup ou por teleconferência é diferente… e ainda para mais na música, no espetáculo, no trabalho de palco!
Francesco: De performance…
Tiago Santos: …sim! Nas artes do espetáculo que tem a ver com esta coisa de realizar ao vivo, mas realizar ao vivo num determinado ambiente específico, numa sala com público, pode não ser a sala convencional, não é? Não precisa de ser uma sala de 4 paredes, mas o conceito de espetáculo não é substituível porque as pessoas precisam é exatamente dessa relação e é a relação essencial que… não é eu ir tocar para cima de um palco que me satisfaz, não é a relação com o público, o intercâmbio com os outros músicos, com o público, com esse ambiente e essas energias que se criam… e agora perdi-me um bocadinho na conversa…
Francesco: …não! Portanto, estavas a dizer que o live streaming não poderá…
Tiago Santos: …pois! Eu penso que nunca substituirá, acho que pode haver alguma… epá! Como hoje em dia, quer dizer: hoje em dia as telecomunicações e as ferramentas tecnológicas que existem devem ser usadas e estão aí ao dispor para serem usadas, nada em contra! Tudo bem! O que eu acho é que nunca substitui isto… e até acho que pode ser errado! Depois é uma questão, lá está: outra vez em termos de estratégia e de marketing para… mesmo em termos artísticos, porque tu… é a minha opinião mas pronto! Há falta de melhor! Acho que pode ser errado nós passarmos a disponibilizar, começarmos a achar que disponibilizar-mos o nosso trabalho na internet, que substitui o nosso trabalho e que pode de alguma forma alimentar aquilo que é o nosso trabalho. Eu acho que há um efeito aqui muito…
Francesco: …contra produtivo?
Tiago Santos: Sim, exato! Pernicioso ou contra produtivo, um efeito contrário que é: na verdade, quando a gente está a disponibilizar as coisas na internet, elas ficam na internet, portanto eu quando me apetecer ouvir, epá! Eu gosto muito da música daquele grupo do Francesco, dos Tora Tora, epá! Adoro os Anonima Nuvolari, olha: vou aqui, tens aí… liga ai o bluetooth que eu vou ligar a application… e substitui agora aqui os Anonima Nuvolari por… ou seja, esta disponibilidade que os artistas começaram a dar do seu trabalho e da sua criatividade, pode ser contraproducente no sentido em que num ponto de viragem, as pessoas.. ah! Eu para ouvir o Tiago ou para ouvir o Francesco, ah sim! Eu tenho aqui, ah tá aqui! Queres ouvir os Space Boys, queres a ouvir Suzie & the Boys, está aqui! Eu saco e olha: puseram… por acaso nós sabemos, agora fazendo um outro aparte: um gajo pode gravar um disco e no dia seguinte o disco está na internet sacado, não é? Sem ninguém receber direitos, mas pronto! Eu acho um bocadinho contraproducente! Eu na verdade, muitas vezes eu brinco a dizer que sou um bocadinho… sou um gajo analógico num mundo digital! Mas eu prefiro muito mais esta coisa da malta…
Francesco: …viver?
Tiago Santos: Sim! Tocar ao vivo, vivenciar, experimentar, esta coisa… de tocar em bandas, tocar em palco, muito mais do que a coisa da distância e da internet!
Francesco: E agora aproveito mesmo… para fazer uma pergunta bastante interessante, ou seja: me interessa saber se tocaste ao longo de 2020 em concertos em que havia restrições… as pessoas, por exemplo, máscara, uso de máscara, impossibilidade de dançar, de estar em pé e como viveste este tipo de performance e de concerto? Ou seja, como estes elementos extra musicais podem afetar a tua performance e o que é que o próprio público pode sentir a estar num contexto do tipo…
Tiago Santos: …epá! Eu estava aqui a tentar lembrar, eu penso que eu não… concerto…?
Francesco: Te vi tocar uma vez na Praça da Alegria!
Tiago Santos: Ah é verdade! Sim exatamente, agora estava a me falhar a memória…
Francesco: …e tiveste outros?
Tiago Santos: No final de Setembro, epá! Em termos de concertos tivemos esse, não me lembro se tive mais! Concertos propriamente ditos eu acho que não tive mais, mas eu estive na Festa do Avante, onde aconteceu… pronto! Concertos e teatro e cinema ao ar livre e uma série de atividades culturais.
Francesco: Com as pessoas sentadas?
Tiago Santos: Com as pessoas sentadas e pronto! Com máscaras e a desinfetar as mãos e aquela coisa, e tive a oportunidade de assistir a vários concertos e aquilo que eu pensava que, eu não sei… pronto! A questão da Praça da Alegria, já lá voltamos e já falamos sobre isso, mas pronto! Eu não tenho a perspetiva dos músicos que estiveram nesse evento um bocado maior, mas estive no público e epá! Ao contrário de aquilo que eu imaginava que… quando isto estoirou… epá! Mas um gajo não vai tocar com as pessoas de máscara e sem se puderem abraçar? Isto não faz sentido! Como músico? Pronto, eu mentalmente a criar uma ideia… e a verdade é que eu como público, estava sentado a ver o Scúru Fitchádu que é um poder do caraça! Aquilo é muito bom, nunca tinha visto, tinha ouvido umas músicas assim na rádio, bem! Isto é power, mas na verdade, ok! Isto é power… mas não me bateu assim tanto, na verdade o áudio… bem! O concerto, a primeira vez, com máscara, com isolamento… bem! Foi de uma força, até pelas próprias circunstâncias em que aconteceu e a necessidade e a força que houve para realizar aquele concerto e os músicos também, a própria mensagem deles a dizer: pronto! Naquela mensagem antirracista e antifascista na Festa do Avante, aquilo fez-se um cenário tão completo, ou seja isto é para dizer que… ao contrário daquilo que eu imaginava teve uma intensidade e teve uma força, mais do que aquela coisa de superar as dificuldades e apesar disso a música permanecer, a comunicação, as pessoas… ao vivo, permanecer com a vida, contra a ameaça de morte, isto acho que foi… é uma força também… que é intrínseca a cada ser humano, mas que é forte por mais… quase tanto ou mais do que uma expressão artística individual, ou seja, ela também… é aquela coisa comum, não é? Da gente… nós quase é que fazemos parte de… eu acho que o público ali sentia que também fazia parte daquele espetáculo tipo… e isto, eu acho que apesar de tudo é um bocado essa… que esta crise nós pode, epá! Nós deve ensinar, que é: a gente ter sempre… e o ser humano sempre tem isso e isso é história do ser humano e da natureza… ter sempre a capacidade de resistir, de vencer, de se levantar e de continuar com a vida, epá! Mesmo com as regras, em contraponto do que for… de tudo o que for… que possa limitar a nossa liberdade, a nossa criatividade, a nossa arte, a nossa vida, lá está à nossa vida, como estavas a dizer à bocado…
Francesco: …fantástico sentir como o público… esta participação no concerto de uma forma intensa…
Tiago Santos: …exatamente! Eu acho que toda a gente, mais do que num outro concerto normal, às vezes em que está com muita mais gente, com toda a gente aos pulos, parece que as pessoas sentem… epá! Estamos aqui como… quase um ato de resistência contra o medo e contra a doença e contra o perigo, não é? Tipo… um gajo proteger-se, protegendo os outros, mantendo as regras e tal, mas continuar a vida que… assistir a um concerto dos Mão Morta, epá! Foi brutal, não tive a oportunidade de ver o Mário Laginha e o Camané… também foi muito bom, mas vi os Dead Combo por exemplo, que fizeram um concerto brutal também e pronto! Lá está! Dead Combo às vezes tem aquelas músicas agitada e dá vontade de dançar e é um bocado esta coisa… a gente…
Francesco: …e como músico? Igual?
Tiago Santos: Sim, como músico sim! Há bocado estavas a falar desse concerto do Suzie & the Boys na Praça e foi… e lembro-me, foi na Praça da Alegria e lembro-me da alegria com que a gente recebeu a notícia que íamos ter um concerto, não é? Já tínhamos estado em confinamento e aquele concerto tinha sido adiado, não sabíamos quando é que poderia acontecer e depois veio a acontecer, ouve ali aquela abertura do verão… epá! E a alegria com que nós todos partilhamos aquela coisa de ensaiar, estivemos a ensaiar com máscaras e tal, mas depois poder tocar ao vivo e isso, pronto! Acho que para nós, foi assim… uma espécie de uma botija de gás, como é que se chamam aquelas maquinas de oxigénio, foi a nossa maquina de oxigénio da crise da pandemia! Mas é um bocado esta coisa, que eu acho que é de… nós temos e é o ser humano e a natureza e a vida, sempre tem que… sempre encontra! E nós temos de saber encontrar esta coisa de continuar com a vida, continuar com a cultura, continuar com a arte, perante de todas as adversidades. Houve gajos que vieram e queimavam livros e proibiam a gente pensar e queriam proibir a gente pensar e também resistimos e vencemos, veio o vírus, também resistimos e vencemos, agora isto há de ser difícil, mas epá! A gente não pode é ficar fechado sem trabalho… sem… quer dizer, cumprir as regras, fazer toda a segurança, mas continuar a viver…
Francesco: …e para terminar, acho que é uma pergunta que poderás responder de maneira…
Tiago Santos: …simples, sim ou não?
Francesco: O que é que esperas da política ou dos políticos? Digo isso, na perspetiva de um melhoramento dos músicos e do sector das artes e da cultura…
Tiago Santos: …essa não é bem simples, não é? Mas o… não! Eu acho que acima de tudo o que nós devemos esperar e que já esperávamos antes de tudo isto acontecer e que continuamos a esperar é que os governos, quem manda no país, os responsáveis cumpram a Constituição: cumprir a Constituição! E a constituição diz que todos, todo o povo, todos os portugueses têm direito ao acesso à cultura, à criação e à fruição da cultura: isto está na Constituição! É um direito fundamental de todos os portugueses, o acesso… o livre acesso à criação e à fruição… e nessa perspetiva até à fruição, pronto! A gente assistir a espetáculos, à arte até é quase um auxiliar para a criação, porque o que interessa é ver mais gente a criar e quanto mais gente a criar e cada vez melhor, cada vez com um sentido mais aperfeiçoado da sua arte e das suas ideias… isso é melhor para todos, não é? Portanto, aquilo que se espera… a primeira coisa que se deve esperar é que cumpram a Constituição e isso, não foi a pandemia que veio… já não o faziam antes! Portanto, o que a gente precisa é que os governos olhem para o país, olhem para o seu povo, para a sua população e para a cultura do país como um bem, como a palavra diz… é um bem, é uma coisa boa… epá! Que é essencial e que é um direito fundamental de toda a gente! Portanto, tem que haver meios para que os trabalhadores da cultura possam trabalhar, possam trabalhar com direitos, tem que haver meios para que as pessoas e a população em geral, possa aceder à cultura sem haver elitização da cultura, mas que também possa acima de tudo fundamentalmente estar em contacto permanente com a cultura e que a cultura seja uma linguagem do dia a dia, ou seja,
faça parte da vida das pessoas e isto é tudo o que falta, tudo isto faltava antes! Quando vem esta crise, veio demostrar acima de tudo o que? Mais do que isto que todos nós já sabíamos que ninguém cumpre, é que a maior parte das pessoas que trabalham na cultura e sobretudo na nossa área das artes do espetáculo, mas… e sobretudo os músicos independentes, das artes do espetáculo… como nós, não é? Tipo músicos que não estão ligados a estruturas, orquestras, companhias e não sei o que… o que nós sabemos é que… ou técnicos e não sei o que… é que vivemos todos na maior das precariedades, na maior das incertezas, na maior da fragilidade da… que de um momento para outro, as nossas vidas podem descambar, não é? De… e se acontece um abalo? E isto foi um grande abalo ainda por cima! E acontece um abalo: há sempre companhias e pequenos grupos a fechar, bandas a desaparecer, músicos ou outros artistas a abandonar e tal, não é? E isto, pronto! Isto revela que o que é que falta na verdade? Falta uma política de cultura a sério, digna desse nome e digna da obrigação fundamental que o Estado tem de garantir a cultura, a fruição e a criação culturais a toda a população… falta tudo!
Francesco: Exato! Em relação aos movimentos reivindicativos que surgiram neste período, participaste em algum? Tens algo a acrescentar, por exemplo, a União Audiovisual e outros grupos?
Tiago Santos: Não! Tenho seguido o surgimento de vários grupos, portanto… já havia e que continua a haver uma estrutura que é o sindicato CENA-STE, uma estrutura Central dos Trabalhadores, epá! O sindicato dos músicos que já existe há muitos anos, o CENA e o STE também já desde os anos ’40 do século passado, portanto existe esta estrutura e surgiram muitos movimentos sociais e associativos… epá! Eu acho bem, eu acho… é um bocado o que eu estava a dizer, em relação às dificuldades, eu disse de uma forma geral há um bocado que são problemas que atravessam todas as áreas, não é? O que eu às vezes… pode-me preocupar um bocadinho, é que haja… quando surgem estes movimentos e começa a haver muita polarização na… há muita fragmentação, aumenta o divisionismo e acaba por não contribuir para aquilo que é fundamental, que é para já, quer dizer, para além da solução dos problemas concretos de cada profissão, mas a solução é procurar aproximarmo-nos da solução daquilo que são os problemas gerais de toda a área dos trabalhadores da cultura… e pronto! Este é um dos meus receios, que estes movimentos… agora: por outro lado acho que é positivo, que revela que… pronto! Que há pessoas que se levantam da sua condição habitual de espectador da realidade e da vida e começam a agir, a fazer coisas e a participar, eu acho que sim! Agora o que eu acho muito importante é preservar esta ideia de que… da unidade e de que os trabalhadores da cultura, são trabalhadores, não é? Nós não vivemos num mundo à parte, isolado do resto da sociedade e as nossas necessidades ficarão satisfeitas quando também o resto da sociedade e o resto dos trabalhadores também verem as suas necessidades resolvidas, quando tiver mais gente com mais acesso à cultura, para ir a espetáculos, para alimentar e procurar espetáculos mais desenvolvidos em que a gente possa ser mais livre de criar e não termos, ou não estarmos obrigados a… nós hoje em dia vivemos escravizados, nós como músicos por exemplo, vives escravizado… vives se a tua música tiver sucesso comercial, se for vendável!
Francesco: Isto é incrível, é verdade!
Tiago Santos: A arte e a cultura está… sempre esteve ligada também ao show business, a… pronto! A uma área de comércio de uma certa indústria ligada a isso! Mas na verdade hoje em dia, o que está a acontecer é que nós se não vendermos, se nós não conseguirmos atrair público para vender, não existimos! Portanto… pronto! A maior parte dos trabalhadores das artes e do espetáculo, estão numa área comercial e não devia ser! Têm que estar numa área que é cultural: a cultura é livre, a cultura não pode ser uma coisa que é vendável, que é…
Francesco: …comercializada!
Tiago Santos: Pois! A cultura não tem um valor que seja numerável, tem um valor tão grande que não pode ser mensurável e este é que é o erro de toda… em que nós estamos apoiados, o sistema em que nós estamos apoiados!
Francesco: Perfeito! Muito obrigado Tiago! Pelo contributo valioso!
Tiago Santos: Obrigado Cesco!
Francesco: Tenho só uma pergunta estatística, que faço a todos, tu se te lembrares, em 2019 no ano antes da pandemia, tiveste mais ou menos quantos concertos? À volta dos…?
Tiago Santos: Epá! Eu, por acaso na verdade, na minha vida já tinha tido algumas mudanças, mas… quantos concertos é que eu tive?
Francesco: Quantos é que tinhas em média em 2018 e 2019?
Tiago Santos: Epá, não sei! Eu nunca consegui dizer… não sei, tipo uns… é porque eu na verdade, reduzi um bocado a minha atividade, fiquei só com Suzie & the Boys, que também é uma banda emergente e os Hill’s Union que também é uma outra banda também um bocado emergente. Abandonei um bocado outros trabalhos que tinha que trabalhavam mais, mas não sei… à volta de que… tipo 10 por ano… em 2019…
Francesco: …em 2020?
Tiago Santos: Em 2020? Quanto é que tive? Acho que tive 2! Tive um 14 de Fevereiro com Hill’s Union, não! Então tive 3… em Março com Suzie & the Boys, depois com Suzie & the Boys também em Setembro, em Fevereiro tinha feito um com os Hill’s Union e acho que foi isto!
Francesco: Ou seja uma atividade musical muito reduzida…
Tiago Santos: …exatamente!
Francesco: Para acabar, deduzo que não fizeste nenhum live streaming durante este período, com outros músicos…
Tiago Santos: …deduzes bem! Elementar, meu caro Cesco!
Francesco: Não! Mas queria saber se tens alguma, por exemplo, neste caso… nestes dias fizeste uma residência artística, ou seja pode ser incluída como uma atividade artística, em pleno confinamento e se tens alguma música que aqui produziram com Suzie & the Boys que querem aconselhar para ser ouvida, assim… destas músicas que fizeram nestes dias?
Tiago Santos: Opá! Isto, eu devo dizer que estes dias, aconteceu uma coisa extraordinária em termos humanos e em termos como músico, que é esta coisa da gente poder estar numa residência durante vários dias, a banda preocupada com o seu trabalho e a viver a sua vida também e a ter bons momentos e tal! Mas a ocupar o seu tempo a trabalhar, concentrada neste trabalho e isto foi uma coisa extraordinária e… epá! Eu acho que acabou por ser altamente produtivo, acho que… nós somos um grupo de… somos 8, mas houve um que faltou e somos 7! Acho que a maior parte das pessoas, estavam um bocadinho cépticas, estavam com receio do que é que ia a acontecer… eu desconfiava, que pronto! Eu tinha uma certa ideia que a gente ia conseguir levantar pelo menos dois temas, pronto! E isso, já não seria mal, dois temas originais completamente novos de raiz no espaço de uma semana com uma banda toda a tocar, isto já era muito bom, mas pronto! A gente conseguiu levantar mais, levantamos 5 temas e acho que foi uma experiência extraordinária e acho que foi um grande contraponto para aquilo que tem sido as nossas vidas habitualmente até aqui, não é? A gente, de viver confinados, separados, fechados em casa a praticar sozinhos na guitarra, tristemente “desinspirado”! E chegarmos aqui e todos sentirmos esta alegria de estarmos juntos, alegria de trabalharmos juntos, a alegria de estarmos a construir coisas em conjunto, sabes que é insubstituível e é… acho que é para mim, é o lado do trabalho que é mais interessante do nosso trabalho. Acho que já era o mais difícil de realizar em qualquer circunstância, acho que foi a primeira vez que eu consegui fazer uma coisa deste género, que eu acho que é muito importante e devia ser uma coisa acessível, lá está é o tal acesso à criação, isto devia ser uma coisa acessível a toda a gente e eu cheguei agora e fiz a minha primeira residência artística com um grupo de extraordinários músicos e seres humanos, que é um grupo fantástico onde a malta tem possibilidade de: vamos ver o que acontece e sai quase com meio disco feito… é bom! Foi um bom tempo!
Francesco: E uma destas músicas que queiras…?
Tiago Santos: Que eu recomendo? Não sei, epá, olha nós levantamos uma música completa… levantamos várias músicas completamente de raiz, é um bocado difícil, mas acho que aquela música, aquela balada que a Suzie escreveu a letra “You are my Crown” e construímos aqui, eu acho que… ninguém diria que aquilo resulta de um trabalho tão árduo! É que aquela acaba de… quem ouvir a música parece que ela… que é uma canção tipo simples e feita assim, uma construção simples e uma melodia e tal e não sei o que! E resulta de um trabalho coletivo que é extraordinário e acho que tem essa simplicidade, tem a beleza das coisas simples! É um bocado isso que eu queria dizer!
Francesco: Perfeito! Muito obrigado Tiago!
Tiago Santos: Muito obrigado Francesco! Foi um prazer!
Francesco: Obrigadíssimo!
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