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30.06.2022

Projeto Ágora: Entrevista com Timoteo Grignani (14/04/2021)

Radio Olisipo · PROJETO ÁGORA: TIMOTEO GRIGNANI

Timoteo Grignani cresceu numa família de arte, conhecida como “Girovago e Rondella” e, desde cedo, pisou palcos com os seus pais num teatro popular composto por música ao vivo, palhaçadas, fantoches. Depois de uma longa estreia na Grécia, mudam-se para  Itália e descobrem o teatro de rua.

Além de aprender as artes cénicas no âmbito familiar, fez tournés com projetos de música e teatro pelo mundo. Reside entre Lisboa e Itália e colabora com vários projetos, entre os quais se destaca o grupo Ayom. Tocou também com Forró Mior e a Orquestra Latinidade, entre outros.

Em resposta à situação de atual emergência devida à pandemia do COVID-19 e à necessidade de promover iniciativas que possam avaliar e atenuar o impacto no âmbito das artes performativas, investigar os efeitos da crise, com enfoque no sector da música, documentar as estratégias aplicadas pelos artistas nas suas atividades criativas e de performance, o Projeto Ágora convida Timoteo Grignani, para compreender os efeitos provocados pela crise sanitária, quer no nível individual, quer no âmbito do sector cultural em Portugal.

Francesco: Oi Timo! Boa noite e obrigado por vir aqui para estas entrevistas e conversas do Projeto Ágora. Vamos falar em italiano para nossos amigos da Itália, depois vamos colocar legendas para nossos amigos portugueses. Podes te apresentar, se quiseres…

Timóteo Grignani: …vai! Apresento-me, sou Timoteo, Timoteo Grignani e sou músico. Nasci na Grécia e foi aí que começou a minha paixão pela música e o meu conhecimento, porque com a minha família, que também são artistas, mais… eles fazem teatro de marionetas e teatro de figuras, tive a possibilidade desde criança de conhecer diferentes músicos e abordar a música de tal forma… no começo infantil, não é? Como um jogo e depois, ao longo dos anos, eu enquadrei mais ou menos o que eu queria fazer quando crescesse. E agora aos 29 anos encontro-me a fazer o que sempre quis, com um projeto principal chamado Ayom, que é a banda com a qual estamos a tocar de momento. Somos 6 elementos e nos últimos dois anos fizemos duas tournés esplêndidas e depois parámos no ano passado, resumindo… mais ou menos em Março, como todo o mundo, parámos, mas apesar disso ainda, no ano passado, conseguimos fazer alguns… espetáculos, concertos que, em suma, permitem-nos continuar com a esperança de podermos retomar o mais breve possível…

Francisco: …bom! Eu queria perguntar-te, na verdade, então desde março passado houve… houve todo o problema da pandemia global, então eu estava interessado em saber no nível económico como esse bloqueio de concertos tem um pouco… teve um impacto na tua vida, então tu também vives de circo e de teatro, então…

Timóteo Grignani: …claro! Sim! Foi um grande bloqueio porque claramente, economicamente para um músico em geral é sempre muito difícil, certo? Tens sempre que ficar um pouco em equilíbrio com a economia, com a chegada do Corona [vírus] foi um desastre como para todos, tanto para mim, quanto obviamente para a minha família, porque todos são artistas. Então todos vivemos principalmente do trabalho que é feito por nós, no verão, certo? Os músicos geralmente trabalham por temporadas, então no verão tu fazes… tentas trabalhar o máximo possível para guardar o dinheiro e então no inverno podes viver pacificamente. Obviamente neste verão [2020], porque foi bastante difícil para mim e claro que sou… levou-me a ter de regressar a Itália, pelo menos durante este período. Porque antes estava em Lisboa e ainda assim claramente, sem datas, sem possibilidade de trabalhar, era difícil ficar em Portugal. Também pelo facto de eu ser italiano e, qualquer ajuda que viesse depois, poderia recebê-la se estivesse em Itália!

Francesco: E essa situação nunca te fez pensar, por exemplo, em deixar a música, mudar de emprego… já que eu tenho tantos amigos e pessoas conhecidas que estão nisso… eles tiveram uma grande carreira na música ou em outras digamos expressões artísticas, deixaram um pouco…

Timoteo Grignani: É! É difícil para mim porque… para mim não é propriamente uma escolha de vida, no sentido de que não cheguei a um ponto da minha vida em que abandonei o que fazia, para seguir a carreira de músico. Sempre viajei e sempre vivi de uma forma que ainda vivo, desde criança. Então, pensar em deixar é um pouco impossível para mim, não é? Não me passa nem na ante sala do cérebro, porque o trabalho que faço é o lugar onde me expresso, onde existo, então… não poderia… não existiria mais, vamos dizer! Não faria mais sentido!

Francesco: Diz-me se… se me puderes explicar, em Itália como… o que aconteceu em relação aos subsídios, aos apoios aos músicos, diria… subsídios…?

Timóteo Grignani: Sim! Graças ao trabalho que fizemos este verão com Ayom, conseguimos atingir um mínimo de datas exigidas pelo Estado italiano para poder aceder às ajudas, de forma simples… “simplesmente”! Com muita dificuldade, estando contudo bastante distante deste mundo da ajuda, é tudo uma coisa bastante nova, porque nunca houve realmente um campo, em Itália, que nos protegesse a nós músicos, ou que, de qualquer forma, nunca tenha dado apoio. Por isso, estas novas formas, digamos, de apoio que saíram para… durante o Coronavírus, na verdade, permitiram-me passar o inverno, digamos, um pouco tranquilo e tudo isso claramente graças às datas que neste verão conseguimos, entre uma coisa e outra, fazer…

Francesco: Quantas datas foram necessárias?

Timoteo Grignani: Foram necessárias sete datas para conseguir chegar ao bónus, justamente esse bónus que eles deram, então nada demais… digamos difícil, não é? Para grupos profissionais, apesar da pandemia em suma, sete datas… conseguimos fazê-las!

Francesco: Bom! E sentes-te satisfeito então?

Timóteo Grignani: Ah! Satisfeito? Não, eu teria preferido tocar e não receber esse dinheiro! Sinceramente… mas, é concerteza… é uma ajuda que funciona, que pelo menos, vem!

Francesco: Nesses concertos que fizeste no verão de 2020, terás tocado em locais com várias restrições, públicos com distanciamento social, máscaras. Como foi, o que sentiste?

Timóteo Grignani: Bem! Mais do que as máscaras e restrições que havia durante os concertos, eu estava interessado em… apenas uma coisa emocional, certo? Eu estava interessado em criar laços… voltar a criar laços com o público, como sempre aconteceu e eu esperava e queria apenas um contato humano com as pessoas. Não me importo com a máscara ou o distanciamento… quando toco dou tudo de mim e por isso tento alcançar as pessoas, procuro esse contato e não… as máscaras sinceramente não são… um limite…

Francesco: Um impedimento… e como sentiste o público? Em alguns casos… explosivo?

Timoteo Grignani: O público… explosivo, como nós, não é? No sentido de que quando não te permitem fazer o que tu mais quer fazer, aí depois é inevitável que a tua energia seja carregada pelo menos  com o dobro e que o público precise, esteja com fome e seja necessário, certo? Para verem e presenciarem essa magia que pode ser um concerto, um espetáculo de qualquer forma artística, não é mesmo?

Francesco: Então, concertos ao vivo com restrições correm bem, porque de qualquer forma a comunicação está lá! A emoção está lá!

Timóteo Grignani: Lá  está! Há definitivamente mais do que no streaming, na minha opinião… não?

Francesco: Exatamente, então… só falando em streaming, muitos festivais hoje trabalham em streaming, a partir de março de 2020 muitos músicos fizeram… gravaram performances de streaming ao vivo em casa, zoom… eu mesmo já participei de alguns, dois ou três… então, afinal todos queriam fazer, tornou-se uma coisa meio… demasiado comum, isso… e surge a pergunta: essas transmissões ao vivo sem plateia, no estúdio… poderão ser um novo formato de performance para o futuro? O que achas?

Timóteo Grignani: Bah! Esperemos que não, esperemos que não! Porque para mim o concerto, o live é só isso… não é só o momento do concerto, é o momento em que decides ir ver um espetáculo. Como público, sais de casa, fazes todo o caminho até a uma sala, uma praça ou onde é o concerto e então é algo maior, sabes? É um movimento que fazes, um esforço físico que fazes para chegar a um lugar e receber uma energia em troca. Ficar em casa para ver um concerto, também aconteceu, eu assistir a concertos em streaming, mas não podes ter a mesma concentração, o mesmo envolvimento emocional que podes ter quando te mudas de lugar e decides ir fazer alguma coisa…

Francisco: …claro!

Timoteo Grignani: É uma “romanticidade” completamente diferente e há outra poesia em torno dela.

Francisco: Tudo bem! E ao nível de… digamos, durante os vários confinamentos, como é que viveste a questão mais criativa, já que possivelmente não podias ensaiar com o teu grupo, porque estavam todos… dispersos…?

Timoteo Grignani: Claro! Porque estávamos todos distantes…

Francesco: …no mundo e não eram possíveis encontros, mas como viveste a questão criativa?

Timóteo Grignani: Bah! Eu vivi bem a questão criativa, porque foram fases diferentes, não é? Ou seja, a primeira fase do primeiro lockdown foi uma coisa nova para toda a gente… então não sabíamos como fazer, o que fazer… então foi interessante poder aproveitar e ver um pouco qual era a situação, não é? Normalmente, quando trabalhas, tocas e recortas alguns espaços, certo? Ser criativo, poder trabalhar na criação de algo, então foi um em que podíamos trabalhar a criatividade. Com o primeiro bloqueio, percebemos que realmente tínhamos muito tempo…

Francesco: … até demais…

Timoteo Grignani: E por isso, claramente como muitos outros colegas, comecei a gravar, a tocar, a procurar linguagens que nunca tinha procurado, porque… exatamente, eu precisava e queria aproveitar aquele período, que eu sabia que seria um período morto e parado, para crescer de qualquer  maneira, não é? Para isso, porém, o mais bonito e engraçado para nós, muitas vezes, é essa parte, a parte criativa, não é? Quando estas à procura de inspiração e, portanto, tudo o que viste, todas as coisas que ouviste durante todos os períodos anteriores, podes finalmente concentrá-las e torná-las em algo diferente e tu… Então, a primeira parte foi assim. A segunda parte, também tendo uma filha de dois anos, digamos que investi o tempo junto com meus irmãos, ao comprar terreno em Itália e criando um espaço onde teremos um estúdio de gravação e espaço para criações, para espetáculos, como um armazém também para todos os espetáculos que temos com a minha família, porque temos muito material… então concentrei-me num projeto grande, indo um pouco contra a tendência, não é? Em comparação com a situação de muitos, porque decidimos num período económico absolutamente difícil… de qualquer maneira, investir, porque obviamente acreditamos nisso e temos certeza de que algo vai mudar e que, portanto, estamos lá . .. simplesmente, agora estamos a preparar-nos para melhor, para depois continuar nosso caminho!

Francesco: Muito produtivo, excelente!

Timoteo Grignani: Muito produtivo, sim! Tu tentas…

Francesco: …e portanto, projetando para o futuro, digamos agora… como músico, mas também possivelmente como artista de circo e teatro, que estratégias podemos pensar como músicos, se esta situação continuar por um tempo mais longo?

Timóteo Grignani: Bem! Depende, não creio que possa ficar muito tempo parado como agora, porque em todo o caso as coisas continuam e também na minha opinião, precisamente a nível político é difícil gerir uma situação destas durante muito tempo, então estou confiante no fato de que em qualquer dos casos um caminho pode ser encontrado no menor tempo possível. Conheço vários amigos organizadores e pessoas que estão do outro lado, que não são artistas que… trabalham em organizações que estão a dar o seu melhor para poder fazer os festivais este verão, o que para nós já é algo muito importante. E, portanto, ver de qualquer forma que também do outro lado há um esforço, há a tenacidade de ainda poder encontrar uma solução, dá-me confiança e espero que já este verão possamos tocar e a circular!

Francesco: Excelente! Considerando talvez este momento, como um momento de mudança, um recomeço para recomeçarmos todos juntos em direção a algo melhor, digamos assim…

Timóteo Grignani: É! Estas são as ocasiões, não são? Se não quando?

Francesco: Ao nível, digamos… das expectativas do mundo da política e em relação ao sector artístico, que expectativas, talvez um pouco melhores, haverá?

Timóteo Grignani: Bem! Espero que sim! Esperamos que especialmente em Itália, mas também em Portugal, seja mesmo algo europeu, certo? A salvaguarda de… enfim, do mundo cultural e do mundo artístico, porque senão estamos simplesmente perdidos no mar da burocracia, sem ter voz, certo? Enquanto há outros países na Europa, como a França, onde existe um sistema que permite ser independente, pagar impostos e poder ter apoio no desemprego que te permite… porque o artista por natureza não trabalha todo o ano todo, certo? Ele não tem um emprego para onde vai trabalhar todos os dias…

Francesco: Mesmo que, para ensaiar ou para produzir um espetáculo, trabalhe quase o ano todo, mas ninguém sabe…

Timóteo Grignani: …claro! Mas ninguém sabe… exatamente! Exatamente! Ou pelo menos, em Itália e em Portugal por enquanto ignoramos, mas aqui está! Digamos que é uma situação que deve ser gerida!

Francesco: Tudo bem! Então olha… obrigado por este grande contributo, Timo! Eu queria saber se desde março de 2020 produziste algo em termos de música, se podes nos recomendar alguns temas, ou talvez dois… para anexar a esta entrevista, para que quem a ouvir, poder escutar…

Timóteo Grignani: Bem! Nós fizemos… apenas para ficar em contra tendência,  contrariar a tendência, lançámos um álbum durante a pandemia, bem no início da pandemia e…

Francesco: …com o grupo?

Timoteo Grignani: Com Ayom! O nosso projeto principal e foi um pouco arriscado, porque quando tudo parou e no verão foi tudo cancelado… resumindo, não era realmente a coisa mais natural, lançar um álbum. E, em vez disso, seguimos em frente e afinal… parece que fizemos bem, porque ganhámos o prémio Songlines como a melhor banda de 2021!

Francisco: Fantástico!

Timoteo Grignani: Fantástico e mítico! E isso tem nos dado uma grande visibilidade nestes tempos em que, de facto… há poucas produções ao vivo. Zero! Então, ter um álbum que foi reconhecido e premiado, incrivelmente, neste período mau para todos, a nível de trabalho, nos deu uma força incrível. Por isso, agora esperemos que… pronto, que as coisas voltem ao normal, porque queremos apresentar este disco e que todos o ouçam. Dois temas do disco que eu recomendo, então! Vou recomendar “Baile das Catitas” porque é uma música que eu criei, e claro, com o Alberto e a Jabu.  Tem um convidado especial que é o Paolo Angeli, que é um músico amigo, que entre outras coisas também lançou há pouco o seu novo álbum e que tem um projeto de guitarra da Sardenha. Então também vos convido a ir procurar algo dele porque é muito interessante. Enfim, se por acaso não ouvirem o seu álbum, vão poder ouvi-lo no nosso álbum, em “Baile das Catitas”, a música em que ele está presente. O outro tema que recomendo…

Francesco: Existe o vídeo no youtube de “Baile das Catitas”?

Timóteo Grignani: Do “Baile” não! Não temos vídeo…

Francesco: …ok, vamos colocar a música…

Timoteo Grignani: …coloca a música e ouves!

Francesco: Uma proposta com um vídeo?

Timoteo Grignani: Uma com um vídeo… bah! “Cachaça e macarrão”… não! “Me deixe ser”, porque eu fiz o vídeo!

Francesco: E?

Timoteo Grignani: E então… precisamente, “Me deixe ser” é um dos três singles que lançámos antes do lançamento oficial do álbum, é uma música que o Alberto e a Jabu escreveram e eu tive a honra de fazer o vídeo em stop motion, com desenhos recortados, mais de 5000 desenhos que fiz para fazer esse vídeo!! Foi uma experiência interessante! Por isso, convido-vos a ouvir a música e assistir ao vídeo!

Francesco: Obrigado Timo pela positividade!

Timóteo Grignani: Grande Ciccio!

Francesco: A tua mensagem e a tua contribuição serão úteis para muitos dos nossos colegas, amigos e público em geral, que virão ouvir as entrevistas. Obrigado novamente!

Timoteo Grignani: Um prazer, grande Ciccio!

Francesco: grande Timo! Aplausos!

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