20.04.2022
Olá a todos caros amigos e amigas! Alguns de vocês já me conhecem, eu sou Francesco Valente, sou músico, italiano, residente em Lisboa. Apresento-vos o Projeto Ágora, que andei a realizar e a trabalhar no último ano. Trata-se de um projeto “etnomusicológico”, porque é ancorado numa série de entrevistas etnográficas que realizei ao longo deste período. “Ágora”, o nome que escolhi, refere-se à praça urbana: a praça é o lugar de encontro, o lugar onde as pessoas praticam a sua vida social, a sua relação com os outros, onde se fala, se debate sobre vários aspectos inerentes à nossa vida, enquanto seres sociais e humanos. Este nome foi escolhido exatamente num período em que as nossas praças estavam desertas e em que não havia algum tipo de vida social. De facto, as entrevistas realizadas refletem o que? E qual é o objetivo principal deste projeto?
É o de investigar e compreender como os artistas ligados aos vários campos das artes performativas viveram este período excecional da pandemia e dos vários lockdowns e confinamentos. Organizei e realizei trintas entrevistas sobretudo com músicos, artistas ligados a outros campos das artes performativas, como cinema, teatro, dança, produtores culturais, técnicos de som e também pessoas ligadas ao Sindicato dos Trabalhadores do Espetáculo, Audiovisuais e Músicos, o CENA-STE. O que quis tentar compreender durante as entrevistas foi sobretudo o tipo de vivência, isto é, como é que estes músicos, artistas e trabalhadores independentes em geral, viveram este período de crise devido à pandemia, investigando em primeiro lugar o impacto financeiro, devido à ausência absoluta de trabalho e da possibilidade até de trabalhar em grupo, por exemplo, para ensaiar novos projetos criativos. Investiguei também os impactos a nível emocional, emotivo, intimo e ao nível da própria criação artística. Nas entrevistas surgiram também novas perspetivas individuais e uma série de novas ideias e estratégias que os músicos foram procurando para sobreviver neste período especial. Surgiram também uma série de reflexões sobre a indústria, por exemplo, da música e sobre todo o processo de como um trabalho criativo é concebido, produzido e depois vendido, distribuído e divulgado. Portanto, nas entrevistas reflete-se bastante sobre a questão do consumo da música que hoje acontece num plano sobretudo digital. Ao mesmo tempo a condição do trabalhador independente implica uma série de ideias sobre como o nosso sector deveria ser apoiado e tido em conta pelas políticas culturais do governo.
Estas trintas entrevistas vão ser publicadas nos próximos dias na plataforma Ágora que, no entretanto, criei para o efeito. Vão ser publicadas seja na youtube que na plataforma Ágora, que pretende ser de facto um lugar de confronto e debate. Debaixo das várias entrevistas os interessados terão uma caixa de comentários: qualquer ideia, qualquer crítica ou novas perspetivas que nos possam ajudar serão bem-vindas. A plataforma Ágora é inserida no website da Rádio Olisipo que é um outro projeto que estou desenvolvendo com outros colegas: trata-se de uma rádio “alternativa” online, que vai estar “on air” nos próximos dias e que pretende ser também uma plataforma de apoio à produção de música independente feita aqui (em Lisboa), mas que prevê também a colaboração de vários artistas nacionais e internacionais: DJS, músicos, etc. A Rádio Olisipo coleta e divulga inclusive trabalhos criativos concebidos e produzidos durante o período de confinamento, pelos artistas que concederam as entrevistas, assim como por outros artistas locais, isto é, radicados em Lisboa.
Concluindo, trata-se de um projeto que pode ser considerado ainda como “piloto”, porque está em andamento e pode ainda alargar-se e abarcar um maior número de músicos e de representantes dos vários campos ligados às artes performativas. A seguir apresento uma sinopse do projeto, assim como foi concebido na sua origem. Agradeço a DG Artes que apoiou este projeto de pesquisa e que nos deu a possibilidade de começar esta nova aventura. Agradeço ainda os músicos que foram muito amáveis, carinhosos e disponíveis em conceder estas entrevistas. Mando-lhes um caloroso abraço, assim como mando um caloroso abraço para vocês, vos desejando uma boa primavera 2022 e um bom verão e que tudo corra pelo melhor! Espero que gostem das entrevistas, divulguem, comentem e qualquer nova ideia, qualquer nova sugestão é muito bem-vinda! Muito obrigado, um abraço!
Sinopse do Projeto Ágora
A situação de emergência provocada pelo Covid-19, afetou gravemente uma grande multiplicidade de profissões ligadas à cultura e às artes, provocando uma “crise sem precedentes” e a paralisação do sector cultural. Audrey Azoulay, diretora geral da UNESCO, afirmou que “Precisamos de cultura, por isso precisamos de ajudá-la a sustentar este choque”, acrescentando a necessidade de promover iniciativas no sector com o objetivo de avaliar o impacto da crise. Em Portugal, movimentos reivindicativos juntaram-se para discutir e encontrar medidas necessárias. A discussão propagou-se nas redes sociais.
Em Março de 2020 fui convidado a coproduzir um álbum em Itália, para ser concretizado durante dez dias. Devido à pandemia que se alastrou em vários países de Europa, o governo italiano decretou o lockdown desde o dia 10 de Março de 2020. Desde então fiquei hospedado em quarentena obrigatória. Devido à impossibilidade de circular por vias aérea e terrestre, consegui voltar para Lisboa só no dia 12 de Junho daquele mesmo ano. No entanto, vieram a ser cancelados os concertos que tinham sido agendados anteriormente à emergência do COVID-19, em Portugal e no estrangeiro. Contudo, seguido do confinamento participei enquanto músico atuante de alguns concertos ao vivo em Lisboa entre Julho de 2020 e Dezembro de 2021, organizados no respeito das disposições legais do SNS-Ministério da Saúde Pública. Nestes eventos toquei geralmente para uma audiência sentada, com distanciamento social e uso obrigatório da mascara. O novo contexto performativo suscitou questões relevantes: qual o impacto do Covid-19 no mercado profissional da música? Quais os processos e as estratégias dos músicos para fazer frente a este período excecional, marcado pela falta de perspetivas? Qual o impacto das restrições impostas pelo SNS na performance dos músicos, isto é, como os elementos extramusicais de um evento podem influir sobre os resultados de uma performance ao vivo ou em streaming? Como são percebidos estes novos formatos de performance pelos músicos e pelo público em geral?
Esta investigação foi concebida para responder a estas questões, através de trabalho de campo etnográfico, isto é, através da realização de entrevistas com trabalhadores ligados à área da música, pesquisas no campo e online. Através das entrevistas será possível avaliar o impacto da crise no sector da música em Portugal e documentar as estratégias aplicadas pelos vários agentes culturais, com enfoque nas atividades criativas e de performance durante o período de confinamento e no seguinte período marcado pela escassez de eventos com público, como concertos, festivais, tournées, etc. O conjunto das entrevistas inclui músicos e artistas ligados a outras áreas ou campos das artes performativas, produtores, promotores, agentes e público. Além das entrevistas, pretendo recolher um conjunto de performances ou trabalhos criativos que tenham sido concebidos a partir do período de quarentena de 2020, em formato audiovisual (álbuns, vídeos, singles, live streamings, etc.). O enquadramento desta investigação, requer ainda a pesquisa e analise de trabalhos recentes da etnomusicologia sobre o impacto do Covid-19 na área das artes performativas a nível global. Este material será aplicado no estudo, análise e interpretação do impacto da crise provocada pela pandemia Covid-19 no sector da música em Portugal.
Os resultados da investigação serão colocados progressivamente na plataforma Ágora online, que pretende ser um espaço de reflexão, debate, análise documental sobre os diversos constrangimentos assim como as soluções e caminhos dos vários agentes culturais para que continue a haver arte e cultura. Os constrangimentos e as soluções derivadas deste período excecional, vão determinar novas práticas e novas realidades no futuro da cultura geral e em particular, nas artes performativas. Através da recolha de dados, além de avaliar as novas práticas no sector da música, será possível documentar também uma parte consistente do património artístico/musical nacional contemporâneo, assim como agregar informação útil para os trabalhadores do sector.
Comentários