Mimmo Epifani – “Laghnatur”
Mimmo Epifani – “Putiferio”
Mimmo Epifani – “Pizzica ‘mbriaca Pé i Ndò”
Projeto Ágora: Entrevista com Mimmo Epifani (04/11/2021)
Mimmo Epifani, é um conhecido bandolinista de San Vito dei Normanni, cidade da província de Brindisi, em Puglia (Itália). Colaborou com artistas de renome a nível internacional como Massimo Ranieri, Eugenio Bennato, com quem fundou o movimento Taranta Power, Antonio Infantino, Caterina Bueno, Matteo Salvatore, Ambrogino Sparagna, Avion Travel, Peppe Servillo, Danilo Rea, Rita Marcotulli, Fabrizio Bosso, Roberto Gatto, Furio Di Castri, Javier Girotto, Fausto Mesolella, entre outros. Participa também nas atividades do Circolo Mandolinistico de San Vito dei Normanni. Trata-se de um artista de referência para a cultura local e o desenvolvimento de géneros expressivos do Salento, como a pizzica e a tarantela.
Em resposta à situação de atual emergência devida à pandemia do COVID-19 e à necessidade de promover iniciativas que possam avaliar e atenuar o impacto no âmbito das artes performativas, investigar os efeitos da crise, com enfoque no sector da música, documentar as estratégias aplicadas pelos artistas nas suas atividades criativas e de performance, o Projeto Ágora convida Mimmo Epifani, para compreender os efeitos provocados pela crise sanitária, quer no nível individual, quer no âmbito do sector cultural em Portugal.
Francesco: Bom dia Mimmo Epifani! Obrigado por aceitar o convite e pela disponibilidade. Estamos aqui em Salento e obrigado por conceder esta entrevista.
Podes te apresentar,? Quem és, Mimmo Epifani ?
Mimmo Epifani: Obrigado a ti Francesco! Grande músico e amigo da Calábria, Milão e Portugal! São três: calabresa, milanesa e portuguesa!
Francesco: … e pernambucano, obrigado!
Mimmo Epifani: Grande! A apresentação… Eu sou um músico que toca bandolim um pouco ao redor do mundo, comecei aqui na zona rural de Alto Salento, San Vito dei Normanni, na província de Brindisi. Havia uma senhora aqui que tocava tambor nas “tarantate”, Belvedere… o nome era Belvedere! Depois veio o Mestre Mino Parmisano, Giovanni Parmisano Nardelli, Parmisano era o apelido… com ele comecei a aprender a arte do bandolim! Ele era um artesão, porque tocava tarantate, tocava pizziche e também construía instrumentos. Obviamente, ele era agricultor e fazia tudo sozinho! Aprendi a arte da música assim: ouvindo nas barbearias, na verdade ele era amigo dos barbeiros! Então… o meu mestre, depois… quem me aperfeiçoou cada vez mais, sempre “de ouvido”, ou seja, “sem música”, foi o Mestre Costantino Vito, um barbeiro da minha terra, de San Vito dei Normanni, enfim, onde… além da arte da música ele também exercia essa profissão de barbeiro. Ou seja, cortava barba e cabelo, não lavava com shampoo, não fazia mais nada porque não tinha água quente dentro da sua loja… e isto resumindo… depois lentamente, ao longo do caminho…
Francesco: Veio tudo o resto?
Mimmo Epifani: Veio tudo o resto! Veio o conservatório, veio a banda, vieram os amigos com quem tocámos juntos… Suíça, Florença e agora voltei ao básico, porque você sempre volta para onde começou… para fazer as coisas bem feitas, não se pode trair as origens e o lugar onde se nasceu!
Francesco: Isso é muito interessante porque, mesmo o meu regresso ao Sul [de Itália], tendo em conta que a minha família é do Sul, tem algo a ver! Então tu cresceste aqui no interior e aprendeste o bandolim aqui, depois nas barbearias avançaste e desenvolveste a tua técnica e foste para o conservatório e, com isso, começaste a tocar pelo mundo fora?
Mimmo Epifani: Eu fiz os primeiros concertos… os primeiros concertos, digamos assim… vamos chamá-los… as primeiras apresentações, um concerto… a tocar para um público… o meu primeiro público foi o da igreja, digamos… fora da barbearia. Antes tocava-se só na barbearia, só te deixavam tocar lá. Punham-te a guitarra na mão para começares a aprender e a acompanhar. Mas aí… era um público só de homens e pessoas que conheciam a barbearia! Ou seja, não era um público real formado por homens e mulheres, crianças… bem… não, nada! Eu conheci o público real quando comecei a tocar na igreja, porque o meu professor dizia-me:”Quando você sai daqui, como você toca aqui, você deve tocar como na igreja. O palco é como se você estivesse na igreja, é preciso respeito, para com os músicos que tocam contigo e para com o público que te ouve.”
E, a partir daí, fiquei sempre com esta coisa de tocar vestido de forma bastante sóbria. Aqui… bem, não… calções. Já vi concertos… onde… pessoas que vinham com calções e sapatilhas, ora… assim, tipo… eu, não! Ainda não consegui fazer isso! Mesmo a tocar no meio da rua, em qualquer lugar de desespero possível, é sempre… pronto! Um respeito pela música, tanto pelo instrumento, como por quem te ouve!
Francesco: No teu percurso musical, já tocaste pelo mundo fora, eu sei… tocaste em quase todos os países que existem… mas num certo momento… te cruzaste com a cultura portuguesa, Lisboa e o fado!
Mimmo Epifani: Sim Sim! Felizmente, uma vez, aconteceu quando eu morava em Florença, porque eu estava a estudar em Pádua no conservatório, mas eu morei em Florença por uma série de coisas… Comecei a tocar numa orquestraem Viareggio, num grupo que tocava nos navios e aconteceu que me chamaram para tocar para uns turistas japoneses que adoravam a música napolitana e também o bandolim. Então, eu estava a tocar num restaurante, num hotel de cinco estrelas muito prestigiado perto de Siena para estes turistas japoneses e a sorte foi que o chefe de cozinha era português e vinha do Alentejo. Fiz amizade com o chefe, porque depois comemos lá, acabámos… entre uma pausa e outra falávamos, eu ia para a cozinha porque sempre me interessei não só por música, mas também por arte culinária, enfim… certo? Porque o principal é isso: é a música e a comida, porque se você não come bem não pode tocar bem, inútil… estamos… não é? Essa é a minha filosofia! Pronto! E então, este chef português fez-me descobrir as canções de Amália Rodrigues e a cultura popular de Portugal, que tinha muitas semelhanças com a do Sul de Itália e pronto! Com a Puglia… onde estou! Os meus amigos portugueses, quando vêm aqui dizem que é uma espécie de Alentejo, então… tive a sorte de conhecer este meu amigo e… que me apresentou a Portugal e me levou a Portugal pela primeira vez , há 25 anos… 26 ou 27… 28 anos atrás… bem! E, a partir daí, a minha paixão, o meu amor e tudo o que aconteceu com a música e a colaboração musical cresceu!
Francesco: E colaborações com músicos portugueses… ah desculpa!
Mimmo Epifani: Também deve-se ao facto de, no meu percurso musical, ter conhecido o diretor de um festival, que é um dos festivais mais importantes da cultura lusófona e ele é italiano, de Pontedera, Marco Abbondanza. O festival chama-se Sete Sóis Sete Luas. Conhecendo-o e depois conhecendo outros músicos, enfim… no contexto dessas tournés que aconteceram e enfim…
Francesco: Acabaste por conhecer melhor a cultura portuguesa?
Mimmo Epifani: Conheci melhor a cultura portuguesa e os músicos portugueses!
Francesco: E tocaste recentemente num evento muito importante?
Mimmo Epifani: Sim! Num evento muito importante: “Cem músicos para Amália” porque era o centenário do nascimento de Amália, faria 100 anos este ano e convidaram-me para tocar e interpretar algumas músicas italianas que Amália cantou! Então fui o único músico que chamaram da Itália para fazer esse evento, num belo teatro, entre outras coisas: o Teatro São Luiz, em Lisboa!
Francesco: Lindo! E assim tu que tens… que também conheces bem a música napolitana e agora também estás a entrar, há já alguns anos no mundo do fado, como pensas que… quais podem ser os pontos de contacto entre estes dois géneros musicais… as duas cidades, as duas músicas?
Mimmo Epifani: As duas cidades, as duas músicas, são… aparentemente distantes… mas muito próximas… tanto no poema, na letra, nas palavras e também na música, porque… existe a canção do fado e há também a serenata napolitana, certo? A “posteggia” é feita de bandolim, guitarra e um homem que cantava! Em Portugal, por outro lado, há o homem e a mulher que cantam, que tocam guitarra de fado, a viola que é uma guitarra normal como as que temos aqui e agora há também a adição do baixo, antes não tinha… e uma mulher que cantava de xaile, sempre com pinta… como dizia o meu professor, sempre… ou seja, até os fadistas têm sempre que se vestir de alguma forma… elegante! E essa era a cultura! Depois a comida é a mesma, é uma coisa linda, mais do que a comida, também o convívio… Portugal é um país que tem a ver com música e comida… muita afinidade com o Sul de Itália e com Nápoles também!
Francesco: Perfeito! Voltando um pouco à cultura local daqui… em relação ao Circolo Mandolinistico [Clube Bandolinístico], tu também foste um dos protagonistas?
Mimmo Epifani: Não! Eu juntei-me ao Clube Bandolinístico depois, um dos protagonistas é o mestre que faleceu, já não está lá, esteve há alguns meses… Federico di Viesto, que abriu este Clube Bandolinístico, que na realidade, antes… foi aberto em 1935 se não me engano… ’35 ou ’37… depois foi fechado por uma série de coisas, que a guerra tinha chegado… e depois Federico di Viesto reabriu. Federico di Viesto depois encerrou-o… porque, resumindo, tinha uns esquemas um pouco, digamos… antiquados, não? Faziam sempre as mesmas coisas, mas a sorte foi que entrou lá o Giuseppino Grassi, que é outro bandolinista de San Vito, que queria reabrir o clube e queria fortemente que as atividades fossem retomadas. Então agora eu também participo com Giuseppino nas atividades do Clube Bandolinístico, que é uma realidade tão importante de San Vito dei Normanni. Ou seja, da nossa terra e que também está a ganhar espaço em toda a Itália e espero que no mundo!
Francesco: Poderia tornar-se um centro de bandolim no sul de Itália de referência para muitos músicos?
Mimmo Epifani: Sim, sim! Certo!
Francesco: E a resposta dos jovens, como é? Eles estão a aproximar-se da música popular?
Mimmo Epifani: Eles estão a aproximar-se da música popular, infelizmente de uma forma, às vezes, demagógica, errada… porque agora a música popular tornou-se mais do que apenas música para ouvir, também é uma tradição sobre a qual… se pode trabalhar e talvez desenvolver, certo? De uma forma moderna, porque não é que se possa fazer música tradicional como era há cem anos… ou há cinquenta anos… é preciso saber bem como se fez para talvez remodelá-la de alguma forma, é isso que eu faço nos meus álbuns, certo? Por outro lado, para alguns jovens, essa música popular, por assim dizer… a pizzica tarantata, na aldeia de San Vito há essa dança de San Vito, a pizzica… que se tornou uma moda, então sendo uma moda fazem de uma forma… pois! Na minha opinião, às vezes… até de uma forma errada, infelizmente!
Francesco: Ok! A barbearia também foi reaberta?
Mimmo Epifani: As barbearias sempre estiveram abertas… agora, retomámos aquela antiga tradição que existia antes! Uma tradição “velha” mais do que “antiga”! Não, eu diria também antiga… porque… há mais de duzentos anos atrás eles tocavam… tocava-se nas barbearias e ensinava-se a tocar instrumentos e também entretinham as pessoas que iam cortar o cabelo e fazer a barba, digamos! Clientes!
Francesco: Isso é lindo! E tu encontraste essa tradição em outros lugares do Sul de Itália?
Mimmo Epifani: Sim, Sim! Não… em outros lugares do Sul de Itália, em toda a Itália até Roma sempre houve essa coisa do barbeiro, porque eles encontravam-se, brincavam e conversavam sobre outras coisas, enfim, havia uma espécie de centro de… cá! De reunião da pequena cidade, o barbeiro sabia de tudo… entendes? As histórias de toda gente… e toda a gente falava sobre os seus problemas e depois tocava-se… e pronto! Um ponto de encontro, pronto!
Francesco: Então a música tradicional foi transmitida naquele ponto de encontro social, que era a barbearia.
Mimmo Epifani: Na barbearia, sim! Naquela ponto de encontro que era a barbearia… porque aí depois chamavam-se os barbeiros para irem fazer o pequenos concertos, não é? Para curar até as picadas das “tarantate” e os chamados, enfim… tarantati! Aqueles que foram picados ou beliscados por uma hipotética aranha, enfim… mas esse é um tópico um pouco maior para abrir… que merece… uma coisa específica!
Francesco: É claro! E para concluir, gostaria de te perguntar: tu como músico além de … ser humano, todos nós passámos por esse período difícil nos últimos dois anos, gostaria de saber como viveste, enquanto músico, o período do lockdown, a pandemia, como foi para ti?
Mimmo Epifani: Olha! Eu fiquei com muito medo na realidade, porque eu nunca tinha vivenciado uma coisa dessas… a conversar com os idosos, porque eu adoro estar com os idosos, porque eu aprendo muito com eles, enfim… eles disseram-me que nem na época de guerra aconteceu uma coisa parecida… porque estamos acostumados a viajar, a tocar, a lidar com o público, não é? É como… para nós, é o nosso pão de cada dia, porque se não tocarmos, não estamos no centro das atenções, nos sentimos um pouco… Então, sendo que não se podia sair com o carro, não podia se andar no meio da estrada, andar sempre com essa máscara até agora… não? A obrigação também de levar a vacina e coisas que a gente talvez, a gente não queira fazer… mas eu tinha que fazer de propósito porque… eu tenho pavor de picadas e essas coisas assim… não porque sou contra a vacina, pelo contrário… se for bom… vamos torcer para que seja bom! Bem… mas eu fiquei apavorado e tive que fazer de propósito porque não tendo o Green Pass, não te deixavam subir ao palco e toda essa história… então eu fiquei assustado! A certa altura, comecei a entender que tínhamos que conviver com isso… e como toda a gente eu estive em casa, a escrever música e… mas não música triste, não. Eu nunca fiquei triste… não! Pelo contrário, fiz um caminho, digamos assim… comecei a tocar e a estudar para quando terminar… ser mais… também foi um momento de reflexão e estudo, de estudo, é isso!
Francesco: Ah que bom! Então aproveitaste para… nesse sentido foi positivo?
Mimmo Epifani: Sim, Sim! Mas todas as coisas são positivas! Até esse vírus que veio, eu não sei! Sinto muito pelas pessoas que morreram e não sobreviveram, que ficaram doentes… mas de alguma forma isto também nos fez entender que… houve um momento da nossa vida, em que tínhamos abusado demais de tudo… uma coisa demais, demais…
Francesco: Ao extremo?
Mimmo Epifani: Ao extremo de tudo! Então houve uma coisa superior a nós, eu acho… eu vejo dessa forma, que nos disse: “vocês têm que se acalmar um pouco!” Ainda por cima, quem sabe de onde vem esse vírus? E na minha opinião, essa doença não acaba nem com remédios, nem com vacinas, nem com médicos, nem com cientistas… ela vai acabar quando o Senhor Nosso Deus quiser! Acho que é a minha opinião!
Francesco: Ok! Obrigado Mimmo!
Mimmo Epifani: Obrigado a ti Francesco!
Francesco: Olha, para o público português, que talvez vai ver esta entrevista… se quiseres, diz como podem ouvir a tua música e onde… um website?
Mimmo Epifani: Sim! Há um site http://www.mimmoepifani.it e depois nos vários motores de busca, na internet, youtube, spotify, todas essas coisas modernas que eu não conheço bem… enfim! Basta colocar Mimmo Epifani no computador e depois aparece!
Francesco: Encontram a tua música! Obrigado mais uma vez Mimmo!
Mimmo Epifani: Obrigado a ti Francesco e esperamos… que nos recuperemos o mais rápido possível de todas essas coisas más que estão a acontecer!
Francesco: Obrigado mais uma vez!
Mimmo Epifani: Obrigado!